0660 - A pior música que já ouvi


Foi no início de uma manhã de domingo, eu acordei bastante sonolento com o toque do meu celular que estava na mesa de cabeceira. Eu pensei: "Ah, merda! Porque tinha que ser logo hoje, logo no meu dia de folga?". Eu trabalhava como segurança de shopping, e a primeira coisa que minha mente ainda exausta havia pensado foi que meu chefe resolveu mudar de ideia e me pôr para trabalhar, justo quando o lugar iria estar lotado naquele dia. Não tive escolhas a fazer, somente atender a droga daquele telefone e ver quem estava enchendo meu saco àquela hora da manhã.

Vi o número na tela: 0660. Querendo voltar a dormir logo, atendi, mesmo sem ter aquele número na minha lista de contatos, muito menos entender como alguém faz ligações com ele - disposição zero para questionar.

Tudo que ouvi foi uma melodia estranha. Uns sons de tambor bem abafados - pareciam estrondos distantes - , depois um piano começou a tocar de modo suave, mas num tom meio tenebroso, e depois acelerou de uma vez num ritmo que me causou alguns arrepios, ainda mais com os tambores batendo mais forte. A melodia se tornou melancólica e um tanto depressiva, ainda mais com os toques de violino que vieram depois. Daquelas músicas de nos fazer cair em depressão profunda por conta do tom triste e medonho. Não sei, mas... eu senti uma angústia me dominar, uma tristeza consumir minha alma. Muitos me tachavam de mau-humorado e solitário, mas naquele dia... com aquela música eu pude lembrar dos meus piores momentos da vida, do peso das palavras e das ofensas que já recebi - até os sermões da minha mãe voltavam à tona e pareciam facadas no meu âmago. Violinos sempre me emocionaram. Mas... junto com aquela melodia de acabar com alegrias... passei a odiá-los.

Demorou para eu perceber que já tinha derramado umas dez lágrimas. A melodia me fez lembrar da morte da minha primeira esposa - assassinada a tiros por assassinos em série no dia do primeiro e último aniversário de casamento -, da vez em que tive que enterrar meu cão, meu melhor amigo que tive na infância, num dia chuvoso, também do terrível episódio em que fui obrigado por uns valentões a cortar meus pulsos para que eu ficasse com fama de auto-mutilador na escola - foi uma chantagem, eles queimariam meus livros - até hoje fico olhando todos os dias paras as cicatrizes, e também do dia em que fui feito de refém num assalto à banco com um arma apontada na minha cabeça, sendo humilhado e ameaçado por aqueles covardes malditos - até agredido fui.

É difícil explicar com muita clareza. Enquanto eu ouvia a música, aquelas memórias iam e vinham - até memórias de coisas que nunca ocorreram, mas eram trágicas mesmo assim - de um jeito que me fez ter a impressão de que estavam acontecendo de novo, que eu estava presenciando aqueles momentos horríveis novamente naquele exato momento. Já ouvi muitas músicas tristes na minha vida, mas aquela... poxa... não existe nada comparado àquilo! Era diferente, profunda, tocava na sua alma de um jeito que fazia você ver a vida como o inferno na terra, como se ela não valesse absolutamente nada. Como se fosse um vazio crescente. Reabria todas as feridas do passado.

De início, pensei ter sido alguma empresa querendo me cobrar, é comum tocarem musiquinhas antes do atendente vir a falar. Mas, cara, aquilo de "musiquinha" não tinha merda nenhuma! Nem pra velório serve!

Eu desliguei o celular apressado e tremendo demais, depois enxuguei minhas lágrimas e fiquei olhando para o teto e imaginando que tipo de mente humana criaria uma música torturante daquelas. Mais importante: Quem havia me ligado?

Não preguei mais os olhos depois daquilo, foi assustador, fiquei encolhido na cama pensando, sentindo um medo que não sentia desde os meus 8 anos de idade - quando me forcei a perder minha fobia por lugares escuros -, mas ele havia voltado mais forte do que nunca.

Me levantei, tomei um banho e fui ver um pouco de TV. Deixei meu celular no quarto, nem quis mais tocar nele, a menos que fosse outro número.

Liguei nos noticiários e apareceu a imagem do primeiro andar do shopping, a câmera passando por toda a extensão. Larguei a tigela de cereal no chão, sem perceber, de tão... de tão espantado que fiquei, olhando para aquela imagem apavorante. A repórter narrava a notícia enquanto mostrava pilhas de corpos espalhados pelo piso do primeiro andar. Nunca vi tanto sangue desde a morte de minha esposa e os cortes nos meus pulsos.

Vi como a repórter estava abalada, até tremendo eu percebi que ela estava, mal conseguindo segurar o microfone - tadinha dela, acho que ela estava pedindo para sair dali logo. Aquilo foi um tremendo de um massacre! Um número astronômico de corpos. Uma testemunha - sim, alguém sobreviveu, incrivelmente - disse que uma música extremamente triste, de um modo que ela nunca tinha visto antes, começou a tocar pelos auto-falantes e nos elevadores. Cerca de 40 pessoas que usaram os elevadores naquele dia morreram, tendo as causas - da maioria das mortes do shopping - sendo consideradas suicídios. Alguns ficaram com raiva e se estrangulavam, estrangulavam pessoas próximas, outros batiam suas cabeças nas paredes, portas, até sangrarem e quebrarem os crânios, outros até arrancavam cabelos, choravam e gritavam muito alto enquanto se arranhavam e se debatiam pelos cantos. Nossa... eu nem consegui me ver naquela situação, deve ter sido uma coisa muito louca, do tipo bem intenso e traumatizante.

Depois da descrição do alvoroço, o telefone da sala tocou.

Era sem fio e tinha uma tela onde exibia o número. Receoso, fui ver.

Adivinhe só.

Pois é: 0660. Acho que todos os meus colegas, funcionários do prédio inteiro morreram naquele sábado - dia de muita lotação, até um pouco mais do que o domingo.

Meu chefe me deu o fim de semana inteiro de folga. Eu sou um sobrevivente. Escapei da morte por causa de uma decisão certa, embora feita com muito má vontade.

Deixei tocando. E ficou tocando até... hum... acho que por umas duas horas e meia, sem parar.

Por que naquele shopping? Por que este número? Por que comigo?

Uma coisa é certa: Os que estavam presentes no sábado ouviram a música até o final, por isso ficaram deprimidos, enlouqueceram e se mataram. Em outras palavras, quem ouve a música inteira está fadado a trilhar um caminho mais curto em direção à morte.

Fiquei tão paranoico a ponto de pedir para a companhia telefônica cortar minha linha. Até me livrei do meu celular - quando o joguei no lixo ainda estava tocando e o mesmo número: 0660, e quem quer que tenha o achado na lata já deve estar morto.

Seria a morte um ser físico que anda descarregando sua fúria em nós através de uma música sinistra composta por ela? Quer saber? Dane-se! Jamais vou saber quem me ligou. Além disso, já pedi demissão faz tempo.

Até hoje ando me entupindo de anti-depressivos para acalmar minha crises que são muito constantes.

Sinto por todas as vítimas daquela tragédia por causa dessa canção maldita. Conversando com alguns amigos, os alertei sobre jamais atenderem uma ligação com o número 0660.

Falei categoricamente: Nunca atendam uma ligação desse tipo. Nunca!

Estou meio tranquilo por ainda estar vivo (sabe-se lá quanto tempo ainda tenho), apesar de alguns trechos daquela música demoníaca estarem fixos na minha mente e continuarem a me atormentar.


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