Contos do Corvo #33


Um arrepio acometeu as penas do corvo ao ver a menina regressando ao cemitério depois de uma semana desaparecida. O que agravou sua preocupação foram as olhadas constantes dela pelo local à procura de um certo alguém cuja presença era figura indispensável para o ambiente, e especialmente, aos encontros com o peculiar contador de histórias.

- O-olá... - disse o corvo, a voz falha - Por onde tem andado esses dias? Fiquei com saudade.

- Acampamento escolar. - respondeu ela, continuando a vasculhar ao seu redor - Também senti saudades. Me diz uma coisa: Cadê o senhor coveiro?

A pergunta meio que o desequilibrou da lápide, quase escorregando.

- Você tá estranho? - perguntou a menina, sorrindo leve - Bom, um corvo telepático é estranho, mas hoje você está... diferente, parece que está inseguro. Ah, só pra avisar: Fiz 12 anos semana passada.

- Meus parabéns. - disse o corvo, tentando recompor-se e erguer mais a postura.

- Queria dividir essa minha felicidade com você e o senhor coveiro e quem sabe... os dois poderiam fazer as pazes. Foi o meu desejo antes de assoprar as velinhas.

- Sério? - indagou o corvo, espantado - Você é incrível. Realmente estou lisonjeado, você não me esqueceu. Não quer me adotar?

A menina riu com a pergunta desesperada.

- Não, não dá. Já te falei dos meus tios, lembra? Odeiam animais. Nem peixes no aquário posso ter.

- São dois imbecis que não merecem a sobrinha que têm. Desculpa ofender, mas eu acho isso uma baita sacanagem frescurenta.

- Tudo bem, não discordo de você. - disse a menina, flexível - Eu falo mal deles por trás o tempo todo. Só que tem uma má notícia. - ela abaixou a cabeça, meio desalentada.

- Pra falar a verdade... eu também tenho um má notícia. Você primeiro.

- Ahn... É difícil contar logo agora que está tão perto. - ela respirou fundo - Eu... vou me mudar.

- De bairro? Ou pelo menos de cidade? - o corvo perguntou com a fala rápida.

- Não. - a menina fez cara de nervosa - De país. Vamos para a América... Estados Unidos. Engraçado, não? Contou tantas histórias vindas de lá... - seus olhos marejaram.

- Ontem recebi a visita de um amigo americano. - disse o corvo, relembrando Frank - Ele se chama Frank Montgrow, um detetive que caça coisas sobrenaturais, até já o ajudei num caso. Seria ótimo se meus três melhores amigos se conhecessem.

- Três? - perguntou a menina, estranhando - Mas o senhor coveiro...

- Ele era sim. - disse o corvo, interrompendo-a - A propósito, é minha vez de dar notícia ruim. Você perguntando sobre ele me deu tremeliques, do tipo nervoso não de raiva.

- Tenho uma ideia melhor: Uma história primeiro, depois a notícia. O que acha?

- Ah sim, isso vai ajuda-la a se preparar para o pior. Todo esse drama complicou encontrar uma história interessante na memória... err, deixa eu ver aqui no meu baú mental.. hum, não é paranormal, mas deixa qualquer um tenso. No Brasil, existe uma campanha contra o mosquito da dengue e os governos municipais enviam carros que liberam uma fumaça venenosa contra os mosquitos, espalhando pelas ruas das áreas residenciais. Mas chegou o dia em que as coisas se mostraram diferentemente estranhas... para o desespero da população.

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                                                                                      CARRO FUMACÊ

A cidade eu não lembro o nome, mas juro que realmente foi uma das experiências mais tenebrosas que já testemunhei com relação à vítima humanas. Uma situação verdadeiramente desesperadora. A prefeitura daquela cidade emitiu notas divulgando a campanha ao combate do mosquito transmissor da doença tendo como primeiro passo a proliferação dos famigerados carros fumacês e distribuição de panfletos com as recomendações que todos estava carecas de saber mas ninguém de fato seguia à risca, talvez porque gente ignorante adora resolver tudo do seu jeito achando que nasceu sabendo.

Mas o que foi visto e sentido no dia marcado para o fumacê entrar em atividade nunca mais será esquecido por aquelas bandas. Não volto para aquela cidade nem se mobilizarem uma tropa de contenção. O que aconteceu foi o seguinte: O carro passou em horário mais cedo que o planejado, as 6h35 da manhã e o sol ainda nascia bem pequeno no horizonte. O horário oficial seria às 8 horas.

O carro era amarelo-esverdeado e tinha uma carroceria que abrigava o mecanismo que concentrava a liberação da fumaça no formato de um cano que girava para todas as direções. Vi pessoas correndo afoitas e gritando por socorro e alguns metros atrás uma densa fumaça branca tomava conta feito um a névoa de inverno. O pânico foi viral e com informações de outras pessoas várias se trancaram nas suas casas para se proteger. Era aquela a propaganda de prevenir a dengue? Gerar caos no povo?

Eu me perguntava que diabos era aquilo e me enfiei na nuvem de fumaça. Percebi algumas pessoas caídas no chão, algumas convulsionando, outras se contorcendo de dor e logo depois... veio o que me chamou atenção e deixou estupefato. Manchas negras se amontoavam nas peles até preencher. Elas passavam por um tipo de metamorfose. O carro passou nesse mesmo instante em grande velocidade com uma sirene de som medonho, sem se importar com quem estava na frente, acho que muitos foram atropelados. Assim que ultrapassou a cortina de fumaça - eu percebi a marca da prefeitura -, ouvi um "tssss", parecido com um chiado... pois é, era novamente o veículo da morte expelindo mais fumaça. Voei mais alto e notei que a extensão da fumaça se alastrava por um raio de 3 km.

A confusão se instalou mais rápido do que a própria dengue no país. Onde já se viu uma campanha visando uma boa causa ser executada daquele modo? Era insano. Um plano de extermínio massivo, muito especulavam. Outros foram além, afirmando se tratar de um sinal do apocalipse pela cor do carro representando o cavaleiro da morte. Mas esses alarmistas não viveram muito para repassarem a mensagem aos seus colegas de crença. 90% do bairro já havia sido consumido pela fumaça em menos de uma hora. Um servicinho prático, rápido e sujo. Os hospitais não precisavam lotar de doentes se menos pessoas vivessem antes de serem picadas. Ninguém podia imaginar uma crueldade dessas.

As pessoas afetadas levantavam-se para agir como criaturas modificadas. Da altura que voava, me pareciam errantes das trevas caminhando desajeitadamente e em multidão gemendo alto num tom de voz cavernoso. De novo me perguntava: Era esse o resultado que sonharam para cuidar das pessoas? Inconcebível, não é algo que demoraria para chegar até o prefeito e ele ser colocado contra parede por algum órgão superior que o acusaria de crime bárbaro infectando mais de 200 pessoas com um vírus tóxico que as transformava em abominações sombrias.

Os sobreviventes se protegiam com seus recursos dentro de suas casas lacradas e os noticiários com certeza ditaram a ordem para ninguém sair - e ninguém ia ser louco de fazer isso. Um helicóptero passou perto de mim, quase me matando de susto. Tinham dois caras, um filmando os errantes para a reportagem ao vivo e o outro com microfone falando com tensão e medo.

O verdadeiro responsável nunca foi achado. O prefeito foi inocentado das inúmeras queixas quando ele afirmou publicamente que a força-tarefa se iniciaria às 8 horas como decretado. E aconteceu conforme o plano.

Um carro fumacê da prefeitura foi avistado pelo helicóptero estando parado sem saber se invadia a nuvem de fumaça que demorava a se dissipar. Eles comprovaram. O emblema era um losango verde com outros detalhes. O losango do carro espalha-vírus era azul, a cor antiga do símbolo.

Eu não faço ideia de como essa história terminou... ou se terminou. De qualquer forma, inspirou os outros governos estaduais a nunca mais optarem por esse modelo de prevenção a fim de não causar pânico generalizado num extenso número de pessoas traumatizadas com esse evento calamitoso.


*A imagem acima é propriedade de seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos. 

*Imagem retirada de: http://blog.zelao.com.br/fumaca-branca-saindo-do-escapamento-quais-os-3-possiveis-problemas/

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