Frank - O Caçador #27: "Multiplicidade Paranormal"


O baixo movimento naquela rua escura não parecia intimidar o casal alegre que passeava de mãos dadas após voltarem de um cinema. O rapaz, Greg, segurava um saquinho de pipocas enquanto sua parceria, Alex, ria de piadas que fazia sobre um ocorrido constrangedor. Ela pegou um espelhinho de mão, ajeitando seu curto cabelo loiro num corte pixie. Mas parara.

- De onde veio isso? - perguntou, pensando ter escutado um barulho.

- O quê? Se é outra pegadinha, esquece, dessa vez não vai funcionar, já fechei minha cota de pagação de mico por hoje. - disse Greg, pondo uma pipoca na boca.

- Não, é sério, eu ouvi algo parecido com... - o som ecoou mais cavernoso arrepiando a pele de Alex - De novo!

- Não tô gostando disso. Será que alguém largou o cão de guarda? Podíamos adotar, você adora.

- Greg, a gente tem que correr, sou eu que tô não pra brincadeira agora!

O rosnado selvagem vinha de um beco tomado pela escuridão do qual saíram patas de um animal de pelo negro. O casal encarou amedrontado o ser que saía das sombras com seus olhos vermelhos brilhando como os de um cão normal na baixa luminosidade. O cão possuía um tamanho descomunal. Greg fora o primeiro a correr, deixando para trás a namorada que esbravejou impropérios contra ele. Alex correra por outra direção pela calçada molhada, escorregando e caindo em sacos de lixo. O lobo enorme avançara com sua boca salivante, abocanhando-a. Alex gritara estridente e seu sangue espirrou na parede na primeira mordida fatal do cão negro na sua barriga.

Greg corria dando olhadas para trás o tempo todo, acabando por se deparar com um ser humanoide inteiramente preto dotado de duas fileiras de dentes salientes e pontudos. A boca do demônio abriu-se num rugido, aterrorizando-o para faze-lo dar meia volta. Porém, Greg foi barrado por uma gosma cinzenta que avolumava-se para dar forma a um indivíduo mal trapilho e cadavérico, vestindo uma mortalha. Greg forçou-se para gritar por socorro, mas o choque não permitia.

O Peste Sombria abriu sua boca de onde liberou um enxame de abelhas para dentro da boca de Greg que estava ajoelhado entregue à morte. O corpo do rapaz espasmava subitamente à medida que seu organismo era invadido pelos insetos ferroando seus órgãos vitais até que tombou ao chão com os olhos abertos sem nenhum sinal do seu assassino por perto.

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CAPÍTULO 27: MULTIPLICIDADE PARANORMAL

O som alto da campainha de Frank o fez atender a visita com uma péssima disposição. Estava para ir à seu gabinete na Associação de Detetives Particulares. A visita da pessoa do outro lado da porta o estafou logo ao bater o olho.

- Vai à algum lugar? - perguntou Fred - Sobretudo bem passado, gravatinha arrumada, cabelo penteado...

- Nada que interessa a detetives credenciados pelo DPDC. - retrucou Frank, prestes a fechar a porta.

- Ei, espera! Isso não é jeito de tratar as visitas. - falou Fred, barrando a porta - Não vai me convidar pra entrar?

- Costumo permitir amigos entrarem à vontade. - respondeu Frank - Mas pra você posso abrir uma exceção. - virou as costas.

- E o que nós somos? - indagou Fred, entrando - Frank, por que isso agora? Tá parecendo que pisei na bola com você da última vez. Só que formamos, afinal de contas, uma ótima parceria, apesar da escolha difícil que fiz e que você me ajudou a superar. E foi movido por esse sentimento revigorante e encorajador que vim aqui pra repetirmos a dose.

- Passo. - disparou Frank, virando-se para ele - Podemos repetir doses, quantas forem, mas apenas em bares classudos.

- Há pouco deu a entender que não somos exatamente amigos. Então por que tá recusando ao mesmo tempo que sugere uns encontros pra tomar umas ou todas como pessoas comuns? Frank, eu liguei um sem número de vezes e nada.

- Eu resolvi apagar teu número. - disse Frank, dando de ombros como se não importasse - Pra ser completamente honesto com você, eu não tô afim de construir esse vínculo... sabe, forçar uma afinidade, juntar nossos raciocínios e nossas habilidades pra um negócio que tá fadado ao fiasco total.

- Chama a forma como terminamos o caso das fantasias de fiasco? Eu quero facilitar pra você, Frank, só falta fazer sua parte.

- E eu quero facilitar pra nós dois. Pra mim chega. Nada de quebrar regras. Se bem que agora oficialmente não posso mesmo. - declarou Frank, retirando do bolso sua licença e mostrando-a à Fred - Nova casa, velho trabalho.

- Carteira de habilitação legal. - ironizou Fred.

- Posso não dever a mínima satisfação pra você, mas ainda sim vale contar como isso aconteceu e resumo numa palavra: Carrie. Me estendeu a mão antes que eu afundasse. Pelo menos o CDS garante liberdade nesses casos de afastamento.

- Agora tá certificado por outra agência. Meus parabéns... por destruir a única chance que tínhamos de criar uma união de forças pelo minha boa vontade em te ajudar, mesmo que no improviso. Além do mais, você nem tá demitido ainda do DPDC.

- Eu não vou ficar aqui te explicando as cláusulas do livrão de normas do DPDC sobre esse lance. Tenho mais o que fazer. E você não pode me obrigar a ser seu parceiro. - rebateu Frank, andando a fim de sair - Sai da minha frente.

- Escuta aqui. - pediu Fred, não escondendo sua revolta. Frank parara, logo voltando-se para o parceiro que renegava - Vou trabalhar independente de estarmos ou não nos mesmos locais trocando ideias com policiais sobre um mesmo caso. Minha vez de dizer: Fica fora do meu caminho. - saíra da casa de Frank a passos largos denotando sua raiva.

Frank passou uma mão no rosto sentindo a canseira que ruminar aquele assunto sempre lhe dava.

                                                                               ***

O sedã prata de Frank passara na pista velozmente rumo à ADP para adentrar no prédio pela primeira vez. Porém, seu celular tocara e o detetive não teve como deixar passar uma ligação de Carrie.

- E aí, Carrie. Já tô a caminho, mal me aguento de curiosidade pra curtir minha nova salinha particular, embora eu tenha que me conformar com a ausência de ar-condicionado. A propósito, o Fred anda cuidando bem da que era minha?

- A limpeza da sua antiga sala está como sempre esteve, o faxineiro nunca decepciona. Por que mencionou o Fred assim do nada? Queria que eu dissesse que ele emporcalhou tudo e não foi responsável tanto quanto você?

- Olha, ele não é nenhum menino bagunceiro de quarta série, só queria mesmo saber se... tá tudo sob controle aí.

- Frank, relaxa. - disse Carrie num tom sereno - Perfeitamente sob controle. Da mesma forma que quando você ocupava aquela sala onde, nas primeiras semanas do Fred, eu entrava e automaticamente te via sentado na cadeira como uma imagem programada no meu cérebro que se desfazia ao me dar conta de que outra pessoa tinha assumido a vaga.

- Fiquei mais preocupado com o fato do Fred ser meio novato na vida de caçador. O que é bem contraditório já que ele veio na minha casa hoje me chamar pra mais um caso e eu disse não. E não tenho mais o número dele pra me explicar melhor.

- Ah não, dá pra perceber pela sua voz: brigaram por competição e você se sente arrependido porque magoou os sentimentos legais que o Fred aprendeu a ter sobre você, ainda que não fosse obrigado a aceitar a parceria. Eu tenho uma ideia: esquece a picuinha e me deixa te atualizar como nos velhos tempos. Esse caso é de fazer a pulga atrás da orelha coçar até arder.

- Carrie, tá compartilhando informação pra um agente desvinculado e sabemos que isso aí pode dar merda...

- Não tô nem aí, só me ouça com atenção: Um casal foi achado morto próximo daquela taverna cafona que você e o diretor frequentavam. A mulher é Alexandra Miles e o companheiro foi identificado como Gregory Mitchell, ambos voltavam de um cinema. Como souberam disso? Um saquinho de pipoca achado no local do primeiro ataque.

- Primeiro ataque? Esclarece isso direito pra mim.

- Confirmaram que eles namorados pelas fotos dos celulares dos dois. Mas foram periciados em pontos diferentes e pouco distantes. Alex estava com a barriga retalhada e sangue dela espirrou na parede de um beco. Já o Greg ainda continua sendo examinado. Os policiais estão me fornecendo detalhes minuto a minuto. - disse Carrie, centrada na tela do seu computador.

- Bem que você falou. A pulga atrás da orelha tá me dizendo pra ir ate lá agorinha mesmo. Vou tentar dobrar pra um atalho. Te ligo mais... - travou a fala ao perceber sua situação presente - Ahn... A gente se fala uma hora, outro dia...

- Não Frank, outro dia o caramba. Nos falaremos ainda hoje. - disse Carrie de modo categórico - Até mais. Dá uma olhada lá.

O detetive levara cerca de vinte minutos para chegar à localização exata, vendo algumas viaturas paradas próximas ao beco molhado. Frank estacionou seu carro e não tardou a avistar Fred. "Ele tá aqui, tô muito surpreso", pensou, zangando-se.

- Olá, sou Frank Montgrow, agente da ADP. - disse ele aproximando-se de um policial - Tô vendo que já recolheram o corpo de uma das vítimas. Presumo que é a Alex. A causa da morte foi especificada? - perguntou, ignorando Fred no outro lado.

- Pelo que tá parecendo algum animal bem brabo e selvagem a atacou. Cães raivosos não tascam mordidas tão profundas a ponto de acessarem os órgãos internos. Onde já se viu?

"Acho que vi e bastante", pensou Frank, suspeitando - ou quase tendo a certeza - de que o autor fosse um lobisomem.

- E quanto ao namorado dela, o Greg?

- Tem um agente do DPDC colhendo dados da perícia, ele pode contribuir mais do que eu nisso. Ou se quiser acompanhar o processo...

- Não, tô de boa. Prefiro que ele repasse pra mim. - disse Frank, detestando ter falado aquilo - Obrigado. - apertara a mão do policial. O detetive foi ao encontro de Fred que olhava seu celular - Concluíram a perícia? Do quê o cara morreu?

- Era pra estar furioso por eu ter chegado primeiro.

- Pois é, a Carrie supostamente pregou uma peça pra fazer a gente se cruzar de novo, tanto é que nem te mencionou enquanto nos falávamos. Mas não decidi vir pra continuar a lavagem de roupa suja que começamos lá na minha casa. No caminho eu fiquei repensando a parceria. Se eu não tinha pisado na bola com você antes, eu pisei hoje.

- Tarde demais, Frank. Escolheu competir ao invés de ter bom senso e aceitar meu incentivo.

- Um incentivo meio perigoso, não acha? Não vou gastar saliva pra te lembrar das consequências. O caso tá me intrigando mais do que o normal, tô aberto a cooperação mútua novamente. Fica feliz.

- Tem certeza? - indagou Fred com um sorrisinho - Eu sabia que você daria o braço a torcer mais cedo ou mais tarde.

- Mas e aí? O que andou pegando por essas bandas? A garota foi vítima de "ataque animal". - disse, fazendo aspas com os dedos - E tá na cara que isso é obra de cachorro grande... um cachorro beeem grande de olhos vermelhos e pelagem negra

- Um lobisomem? Provável. - disse Fred.

- É óbvio que foi um, ele devorou os órgãos, mas a cidade grande não é o habitat natural do lobisomem.

- Mas é território para um demônio agir. - afirmou Fred, exibindo um saquinho contendo enxofre - São resíduos de enxofre achados no mesmo ponto que o Greg morreu por... picadas de abelhas africanas dentro do corpo.

- É muita coisa desconexa pra um caso só. - disse Frank, confuso - Demônios não se misturam com nenhum outro monstro que não sejam eles mesmos. E o enxame de abelhas... me lembra uma entidade paranormal que enfrentei ano passado.

- Um instantinho. - disse Fred, atendendo o celular - Alô. É o Fred que tá falando. OK, não demoro. Tchau. - desligara - O dever me chama. Por ora, não vamos retomar com a parceria. Tenho que passar no DPDC pra ouvir uma testemunha.

- De uma dessas mortes? - perguntou Frank, curioso.

- Sim. A pessoa alega ter visto um homem de mortalha agredindo um rapaz... ou seja, Greg. Você tem uma suspeita, né?

Frank apenas acenou positivamente com a cabeça, cada vez mais atordoado com a estranheza do caso.

                                                                                ***

Uma mulher saíra correndo para fora de casa desesperadamente, tropeçando no meio do caminho. Alguns curiosos aproximavam-se alarmados ao verem a mulher gritar por socorro caída ao chão e recuando sem coragem para levantar. Frank passara por ali, no outro lado da rua, e seu rosto virou para a confusão. Não deixou de encostar o carro e se embrenhar no aglomerado. Ajudou a mulher a levantar-se, resistindo à vontade de invadir a residência para vasculhar rápido.

- Que tipo de intruso entrou na sua casa? - perguntou Frank, já sacando a arma.

A mulher, extremamente perturbada, tremia ao falar.

- U-um... homem pelado! E tinha um rabo... Eu não sei se pode acreditar em mim...

- Olha, deixa isso comigo, a vizinhança cuida de acalmar a senhora. Sou detetive particular.

- Muito obrigada. - disse ela, permitindo passagem. Frank passara pela sala de estar com a arma em riste, esquadrinhando cada ponto. Percebeu alguns objetos caídos. Um barulho bastante chamativo p fez caminhar pelo corredor que levava à cozinha. Ao adentrar o cômodo, vira a cauda preta e robusta de um Ambroz cujas patas deixaram marcas no piso. Frank disparou duas vezes enquanto ele corria para uma porta que aparentava ser do banheiro. O detetive viu o ser multiforma esgueirando-se como gosma cinza - um dos estados orgânicos do Peste Sombria - pelo vaso sanitário.

Na sua cabeça havia um pandemônio de teorias e informações que não batiam. A saída, no momento, foi ligar para Carrie.

- Eu estive pensando num acordo de uma ligação a cada quatro horas. - disse ele - Você topa?

- Já falei pra se tranquilizar sobre isso, meu telefone pessoal não é grampeado. Segredinho que guardei até então.

- O Fred chegou aí? Se não, passa essa ligação pra testemunha, quero só uma palavrinha. Dois minutos.

- Mesmo que ele não tivesse chegado, não seria nem louca de fazer isso, ainda mais à revelia do diretor ou dos policiais que estão observando e aguardando o interrogador, ou seja, o Fred. É o instinto competitivo falando mais alto né?

- É Carrie, não quero ficar pra trás. Eu esperava que você se arriscaria um tiquinho só pra me privilegiar e eu ficar mais perto da linha de chegada e o Fred comer poeira. Não seria trapaça, certo?

- Não aprovo essa competição idiota, mas se quiser jogar esse é um método escuso bem malandro. Desaconselhável, aliás.

- Tá bem, você me repassa o que apurou no último segundo pelas mensagens. Eu tô numa casa cuja dona foi atacada por esse monstro que muda de forma a todo instante. Ela saiu de casa assustada e perguntei o que era o invasor e descreveu ser um homem pelado com rabo. Adivinha só...

- Zeta. Basta esses dois únicos detalhes.

- Não para por aí: Sem rastros de gosma que ele costuma espalhar nos locais que atua e nem insetos que ele geralmente atrai. O imita-monstro conseguiu reproduzir o modus operandi direitinho, ele não é nada estúpido. Ouvi um barulho na cozinha e peguei um Ambroz fugindo, mas só vi a cauda. Escapou no banheiro pelo vaso na mesma forma líquida do Peste Sombria.

- É o caso mais contraproducente da sua vida. Talvez de toda a sua linhagem. - declarou Carrie, tensa.

- Nesse ponto tenho minhas dúvidas. Preciso de um tempinho pra aventar a mente. Não esquece, tá?

- OK. E o Fred acabou de voltar, ouço a voz dele. Mando mensagem, prometo. Tchau. - disse ela, falando depressa.

- Falou. - disse Frank, desligando e partindo para fora da casa.

                                                                                 ***

O ex-detetive do DPDC estacionara o carro á poucos metros de uma praça bem espaçosa e movimentada, colocando o veículo sob a sombra de uma árvore alterosa. Saíra para tomar um ar fresco devido à ansiedade que as poucas informações e evidências para desvendar o mistério do monstro com múltiplas formas lhe causava. Sentou-se no banco, banhando-se com o sol da tarde, logo pegando o celular para verificar a caixa de mensagens e vê uma enviada por Carrie.

"Fred tá interrogando a testemunha enquanto sondo o áudio das escutas. É um rapaz de 22 anos que voltava da faculdade e presenciou o ataque do Peste Sombria... digo, o falso Peste Sombria que depois virou um ser com asas de mariposa e saiu voando. Nosso monstrinho troca mais de pele do que você troca de sobretudo."

Antes que pensasse em mandar uma resposta, sua visão periférica captou uma presença suspeita. Frank desviou o olhar para sua direita e tomara um baque que o fez levantar por instinto.

- Isso mesmo, bom garoto. - disse Malvus, passeando com um cachorro macho da raça Doberman que urinava num poste.

- Eu não sabia que você curtia tomar um solzinho levando o cachorro pra passear. - disse Frank, aproximando-se dele intemente. Malvus percebeu-o, sorrindo de maneira cínica - Tá fazendo o quê aqui, Malvus? Fingindo ser gente comum?

- Estou apreciando o mundo exterior, não posso ser um líder selvagem que fica preso no seu lar por tempo integral. Até seres estranhos precisam agir com normalidade de vez em quando. Eu não te apresentei meu mascote antes, não é? Esse é o Lux.

O doberman rosnou ferozmente para Frank que expressou relutância e desconfiança.

- Te encontrar por aqui não parece coincidência. Anda me espionando? Já digo que a lâmina sacerdotal tá limpinha.

- E eu comprovei. - disse Malvus, levantando uma sobrancelha.

- Como assim comprovou? Tá admitindo que me vigia 24 horas por dia?

- Eu sei muito mais sobre você do que pensa, Frank. Eu sou uma criatura elevada que se locomove à lugares distantes sem gastar as pernas. Os demônios também fazem isso, se não me engano. Tenho que parabeniza-lo pelos artefatos que coleciona e organiza, faz um trabalho de curadoria excepcional. Uma dica: Apare a grama de duas em duas semanas.

- Desgraçado, invadiu minha casa?! - disse Frank, enfurecendo-se - Que droga você é? Algum tipo de demônio superior, evoluído e o escambau? Põe as cartas na mesa logo, abre o jogo, sem rodeios. - tomou proximidade com o chefe demoníaco.

- Olhe ao seu redor. - pediu Malvus. O detetive visualizou à sua volta as pessoas que andavam pela praça e nas ruas totalmente imóveis. Reparou num menino com seus pais jogando uma bola de futebol para cima, a bola parada no ar.

- Congelou o tempo pra nossa conversa ficar mais particular e reservada? Show, eu adorei o truque.

- Além de provar o que havia dito sobre mim. Frank, você tem noção de quantos demônios povoam esta cidade? Escondidos num esforço contínuo para manter as aparências. É difícil quantificar, ao contrário do número de caçadores existentes. Estou aqui pra sanar essa sua dúvida. - afirmou Malvus, em seguida tocando a têmpora esquerda de Frank.

A visão do detetive modificou-se de uma forma súbita, distorcida de modo que ele pensasse estar dentro de uma foto em negativo. Frank enxergou muitas pessoas com rostos macabros passando nas calçadas dentre as poucas pessoas não-possuídas. Malvus retirou o dedo e a visão de Frank normalizou. O detetive não podia conter seu espanto.

- Pra essa superlotação de demônios... com certeza você trouxe a cambada inteira da Terra Negativa pra cá. Não foi? Não sobrou nenhum lá né? - questionou ele que não resistiu à emoção e sacara a lâmina sacerdotal, guardada no bolso interno do sobretudo, para esfaqueá-lo na barriga - Pode apostar que a lâmina tá muito bem cuidada sim.

Malvus desatou a rir infamemente, pegando na lâmina e removendo-a devagar do seu corpo. Frank olhava aturdido.

- Esqueceu do que avisei sobre a lâmina? Não sei se é confiança demasiada e tola ou perda de memória. - disse ele, recuando - Lux, sentado. - o cão obedecera - Agora você saberá a minha real natureza...

O líder dos demônios tirara o longo casaco de couro preto e sua camisa da mesma cor, mostrando o peito nu.

- Ah, fazendo um strip? Seu interesse por mim é bem mais esquisito do que imaginei.

De repente, grandes asas negras como as de um corvo brotaram das costas de Malvus, assustando Frank.

- Caramba... Você é mesmo o diabo, o tal anjo que foi expulso do céu como narra na Bíblia...

- A realidade tem mínimas diferenças que parecem grandes demais para mentes pequenas processarem. - disse Malvus, altivo com suas longas asas - Eu tenho um nome verdadeiro desconhecido até pelos meus servos. Quer descobrir?

- Quero descobrir o melhor jeito de acabar com a tua raça. - ameaçou Frank - E tenho dito.

- Tanta coragem precisa de alguém bom pra usa-la, você é o ideal, então não me decepcione - disse Malvus, recolhendo as asas e logo depois vestindo suas roupas - Vamos pra casa, Lux. Até mais, Frank. Mande lembranças ao Fred.

- Volta pra sua gaiola, passarinho. - retrucou Frank, enojado ao saber da verdade. Malvus lançou uma expressão sacana antes de descongelar o tempo e desaparecer rapidamente. A menção a Fred o imergiu em pensamentos no meio da praça.

                                                                                 ***

Cansado daquele mistério agoniante, Frank abriu a porta do seu compartimento no subsolo no qual estavam os arquivos do seu pai e o acervo de objetos sobrenaturais - ou como ele gostava de chamar: pequeno museu de quinquilharias bizarras. Arriscava um palpite baseado numa lenda que não se recordava muito, mas que de tanto pensar a fundo acabou lembrando.

No armário metálico, puxou a gaveta etiquetada com a letra "M" e fuçou as pastas e dossiês. Após alguns minutos de folheadas e leituras rápidas, encontrou um desenho feito a mão certamente pelo seu pai. O ser retratado era nu, pálido, de olhos vazios e desprovido de boca. Frank não hesitou telefonar mais uma vez para o celular pessoal de Carrie.

- Alô, Carrie. Incógnita resolvida: O monstro estava nas profundezas da minha memória e eu demorei pra recordar da lenda que ouvi de amigos que visitavam meu pai, acho que eu tinha uns 7 anos na época... um ano antes dele partir. O que faltava tá bem aqui nesse arquivo, um desenho que ele fez da coisa com informações complementares.

- E aí, o que consta nesse arquivo? Ele anotou habilidades, fraquezas, modos de caça?

- Eu sentia, desde o começo, que na minha infância não passou batida alguma referência à um monstro capaz de se transformar no que quisesse, considerando as maneiras que ele usou para fazer vítimas. A única peça que fecha esse quebra-cabeça é o fato dele se transformar apenas em monstros, sugando a força vital deles por tentáculos que saem da sua boca, embora não pareça ter uma. Dois fatos: Meu pai não caçou essa coisa sozinho e ela saiu da fenda como a maioria.

- Pelo visto, os amigos do seu pai exageraram ao presumir as possibilidades da criatura. Mas tem um gravíssimo problema: O que fará no caso dele se transformar numa coisa que você nunca enfrentou antes? Frank, mais duas ocorrências foram registradas, todos alegando terem sido atacados por monstros horrorosos. O copia-cola está arrasador e imparável, vou ter que ficar antenada nas notícias locais pra ver se consigo dar um status quo pra te orientar e acha-lo imediatamente.

- Faz isso aí, mas pelo que vejo... vou precisar da ajuda do Fred, dessa vez sem frescura.

- Ué, por que? Ah, você não falou que nome tem essa coisa. Não sou criativa pra apelidos.

- Olha, sobre o risco de encarar monstros inéditos, eu dou um jeito, talvez um plano B antecipado. Tô contando com a ideia de que ele não mantém os disfarces por muito tempo. Só que meu pai nunca soube exatamente quanto tempo. De acordo com as notas dele, são raros, ele chegou a caçar dois em toda a vida, e não são muito fãs de espelhos. E sobre o Fred, ele deve arranjar sangue de morto pra banhar uma lâmina e cortar a cabeça do desgraçado. Essa é o ponto fraco do metamorfo. - disse Frank, olhando a figura.

No escritório de Carrie, Fred entrou repentino no mesmo instante que ela finalizara a ligação.

- Ahn... Como foi no interrogatório? - perguntou ela, disfarçando sua reação nervosa.

- Correu tudo bem, nada de exaltações, meias palavras ou incoerências. E você? Como foi vazando informação pro Frank?

Carrie expeliu o ar da boca com raiva, frustrada pela percepção afiada do detetive.

- Eu não vazei nada, o Frank me ligou e eu simplesmente o ajudei. Não é pra isso que servem os amigos? De nada adianta você contestar agora, pois ele tá disposto a cooperar pra valer.

- Sério? O que ele disse? - perguntou Fred, empolgando-se.

- Descobriu o nosso monstro camaleônico que ele diz ser chamado de metamorfo. Isso graças ao pai dele que documentou inúmeras criaturas ao longo da sua carreira, o que é um ótimo suporte pro legado que ele valoriza. - disse Carrie, o que Fred respondeu com uma leve expressão de incômodo - Só depende de você e acho que terá de burlar umas regrinhas...

- Que opção ele sugeriu? Em nenhum momento falei pra ele que não estava aberto a assumir riscos.

- A fraqueza do metamorfo é sangue de morto... recém-morto de preferência. - informou Carrie - Sabe pra que lado fica o necrotério do DPDC, né?

Fred a fitou com toda sua segurança, afastando os receios que se empenhava para ignorar.

                                                                            ***

Munido da cópia da chave do necrotério oferecida por Carrie, Fred rumou pelos corredores diretamente ao "cemitério" do departamento. Para o seu conforto não viu sinais da presença da médica legista, Eileen Hopkins, uma dedicada jovem mulher que seguia à risca todos os procedimentos e requerimentos, e prosseguiu andando nos passos cautelosos. Enfiou a chave na fechadura, abrindo a porta devagar, logo sentindo a lufada de ar frio do recinto. Sobre uma mesa viu a prancheta com nomes.

Fred reconheceu as identidades no topo da lista de últimos cadáveres encaminhados. Estavam os nomes de Alex e Greg com os códigos das suas respectivas gavetas. O detetive selecionou a #1548 onde o corpo de Greg fora guardado. Puxara-a com força e retirou a seringa para coletar o sangue, lutando contra o odor pútrido. Um suor descia em gotas geladas na sua testa e seu coração palpitava.

Escutou barulhos que claramente alertavam sobre alguém vindo. Virou o rosto aflito para a porta e fechou depressa a gaveta fazendo um baque seco. A voz de Eileen indagando sobre quem estava na sua sala após ouvir o baque foi apenas um reforço para a inquietação enorme que acometia Fred.

Num ato drástico, saiu do necrotério correndo, sequer fechando a porta. Eileen quase esbarrou nele, desviando ao vê-lo cruzar o corredor afoito. Fred andava de um jeito preocupante, mas a reação de Eileen focou na entrada não-autorizada do detetive. A médica de cabelos loiros ondulados chamou-lhe atenção.

- Você não é o detetive especial? Devia saber que não é permitido entrar sem o meu aval. O que fazia lá?

Fred continuava de costas, cambaleando.

- Ei, tô falando com você! - disse Eillen, brava - Se não tem autorização, vou solicitar pro diretor que o penalize.

- Que se dane! - esbravejou Fred num tom de voz gutural que estremeceu Eileen. A médica correu apavorada e trêmula enquanto Fred andava para um banheiro masculino. Sentia uma secura na garganta combinada a falta de ar. No reflexo do espelho, viu seu rosto enfurecido com veias saltadas. Um episódio de pânico como aquele não era o primeiro e ele tinha ciência de que não seria o último. Não aguentando mais, urrou furiosamente, batendo as mãos fechadas sobre a pia que cedeu destruída. O golpe final para extravasar veio num soco direto no espelho que trincou inteiro, "bagunçando" o reflexo.

Mais calmo, atendera uma ligação do celular.

- Oi, Frank... Tudo certo, já consegui o sangue... Obviamente você tem a faca.

- OK, só vamos esperar a Carrie nos dizer a última localização onde um novo ataque do metamorfo foi registrado, daí a gente se encontra e definimos uma estratégia.

- Entendido. - disse Fred, visualizando com temor o estrago que seu surto causara.

                                                                              ***

À noite, Frank e Fred encontraram-se nas proximidades do local que Carrie indicou ter sido a última parada do metamorfo há pouco tempo, às margens de uma estrada deserta ladeada por árvores.

- Meu número voltou pra sua lista de contatos, que maravilha. - disse Fred saindo do seu carro.

- Juro que dessa vez não vou tira-lo nem se nós dois tivermos outra briga como a de hoje. - afirmou Frank, esperançoso - Foi tipo uma epifania, sabe... Querendo ou não, estamos ligados nessa situação complicada, não dá pra desfazer o que começou ou fingir que não tá acontecendo nada enquanto seguimos caminhos diferentes fazendo trabalhos iguais. De forma geral, a culpa é minha. Uma hora vou te contar a razão do meu sumiço, mas vamos pro que interessa agora.

- Então não pode revelar ao Conselho de Segurança... porque o motivo veio de uma causa sobrenatural? - questionou Fred.

- Exato. - respondeu Frank. O detetive experiente entregou a lâmina para seu aprendiz casual - Põe o sangue na lâmina e vamos nessa.

- Trouxe a minha. - disse Fred, mostrando o outro lado do seu casaco preto com a faca embainhada no bolso.

- Já toda embebida de sangue de defunto?

- Sim, por isso eu também trouxe o resto do sangue para derramar na sua, mas você quer me entrega-la. Não tô entendendo.

- Eu pensei que como você me deixou providenciar a faca, você traria apenas o sangue. Então eu te daria ela pra dar o golpe de misericórdia no monstrengo, basicamente um ataque-surpresa. Montou seu plano antecipadamente?

- Era pra ser um trabalho de dupla não necessariamente com funções predefinidas pra cada um. - retrucou Fred, áspero - Você o enfrenta como uma espécie de isca pra distraí-lo e eu fico esperando o momento certeiro pra cortar fora a cabeça dele?! Sem chance. Não sabemos o limite de transformações dele, vai saber se não vira uma coisa que eu ou você nunca caçamos. E se você morrer? E se eu aparecer tarde demais ou cedo demais?

- Chega! - disse Frank, estourando a paciência - Falou que não dá a mínima pra riscos e que tem vontade de aprender comigo. No meu plano você vai conseguir as duas coisas. E no seu? Nós aparecermos juntos e partir pra cima dele não ajuda nada. O limite dele deve ser bem mínimo, não é capaz de manter as transformações por longos períodos, acho que por 30 segundos no máximo. Ele vai se esgotar, mostrar sua aparência verdadeira e aí que você entra. Vou ter que desenhar?

- Me rendo, você venceu. - disse Fred, igualmente impaciente, retirando sua lâmina - Vamos seguir seu plano. Fico de tocaia.

Frank assentiu, esfriando a cabeça. A dupla seguiu até a área vasta que situava-se em frente ao hotel barato, vasculhando os arredores que o metamorfo possivelmente passou quando fez novas vítimas.

- A gente tem que se separar. - idealizou Frank, olhando em todas as direções.

- Frank, você tá desarmado. Não vai dar pra fazer nada a não ser fugir. Se é que ele continua vagando por aqui...

O leitor de EMF segurado por Frank emitia traços quase perto do limite no visor.

- O medidor discorda de você. - rebateu Frank olhando a leitura. Gritos desesperados foram ouvidos por ambos. Fred resolveu correr tentando achar a origem das vozes. Parou perto do hotel, visualizando cada lado. Viu uma casinha de madeira quase tomada pelo breu. Mas o que impulsionou a correr em disparada foi a luz branca na janela como um sinal de socorro. Pegou na maçaneta constatando que a porta estava trancada e precisou arrombar, usando o pé direito para chuta-la.

- Todo mundo bem? Ninguém ferido? - perguntou Fred olhando para a família que se refugiou na casinha para escapar das múltiplas formas do metamorfo. O detetive percebeu uma menina, a filha pequena do casal, chorando - Vai ficar tudo bem.

A luz usada como sinal vinha do celular da mãe das duas meninas. O pai acalmava uma delas.

- Ele ainda está lá fora, né? - perguntou a mãe, apreensiva - O monstro...

- Não tenho certeza. Mas fiquem todos juntos, estão seguros agora, eu garanto. Meu parceiro tá checando as redondezas.

Fazendo sua parte, Frank corria pela área fugindo de um falso lobisomem. Virou-se com um rifle em mãos, acertando um disparo que o derrubou. O metamorfo transformara-se em Ambroz que salivava sua secreção pegajosa na bocarra de dentes pontudos. Precavido para se defender de cada transformação, o detetive largou o rifle e retirou do sobretudo um coquetel molotov, tirando a rolha da garrafa e jogando-a para cima do falso Ambroz em seguida. O monstro ardeu em chamas profusas antes que abocanhasse a cabeça de Frank que se afastou voltando a correr, direcionando-se para um dos quartos do hotel.

- Vem me pegar seu projeto de xenomorfo! - disse Frank, não deixando passar o quanto o Ambroz ligeiramente lembrava a criatura de Alien: O Oitavo Passageiro. Entrou num quarto, deixando a porta escancarada. O metamorfo trocara de forma: uma aranha negra e gigante com patas longas e finas. Frank pegou um cabide de chapéu para se defender do aracnídeo do tamanho de um carro que adentrava no quarto com seus dentes movendo incessantemente. O detetive sabia que aquilo nunca foi alvo de uma caçada da sua carreira. A aranha modificou-se num outro ser, mais um que Frank jamais tinha visto.

Uma espécie de homem feito de material duro como pedra com olhos verdes fumegantes. Avançou contra Frank para soca-lo, mas o detetive desviou e tacara o cabide sobre ele, o qual se partiu. Frank notou o reflexo no espelho, exatamente a fisionomia traçada no arquivo do seu pai. O homem cinzento de pele endurecida pegara-o pelo pescoço e seu punho cerrado incendiou numa chama esverdeada. No entanto, Frank sacara uma arma e atirou contra o espelho que despedaçou.

O metamorfo jogara-o contra o criado-mudo e o detetive aproveitou para pegar um caco de vidro grande o bastante para aponta-lo à ele que vendo seu reflexo no pedaço recuou de imediato. Finalmente a face real da criatura estava diante de Frank que disparou mais vezes com arma. Os tiros mal penetravam no corpo embranquecido daquele ser de olhos negros como abismos sem fundo. Fissuras surgiram aonde deveria estar a boca e delas saíram pequenos tentáculos balançando.

"Fred, cadê você? Só temos uma chance!", pensou Frank, não tendo mais ideias de confrontamento.

Numa entrada inesperada, Fred surgira fazendo um corte horizontal rápido e preciso no pescoço do metamorfo cuja cabeça logo caiu ao chão antes do corpo tombar duro.

- Alguém chamou o serviço de quarto? - disse Fred que olhava a lâmina e sentia-se satisfeito pela eficácia do plano. - O seu pai era mesmo um caçador de mão cheia. Descobrir a fraqueza de um monstro como esse... Não é pra amadores.

- Pois é, ele não brincava em serviço. Mas nem sempre agia sozinho, assim como eu... ele também muitas vezes precisava de uma cavalaria. - fez uma pausa, demonstrando contentamento - Bom trabalho. E o pessoal que gritou por ajuda?

- Chamei a segurança do hotel que só inicia o expediente daqui à trinta minutos. Eles vão ficar bem, se esconderam num lugar seguro bem antes de chegarmos. E pode deixar por minha conta, eu faço o enterro do cara pálida.

- Tem certeza?

- Absoluta. - disse Fred, estendendo a mão para apertar a de Frank - Tratado de paz? Definitivo.

- Sabe que pode contar comigo quando precisar, é só chamar. - disse Frank, retribuindo o aperto. Os dois deram sorrisos fechados de confiança, marcando o começo decisivo de uma parceira na qual teriam mais a ganhar do que perder.

                                                                                  ***

Frank pegara uma estrada longa e escura para se dirigir em retorno ao seu bairro, bocejando em curtos intervalos. Ligou o rádio para manter-se desperto, porém a sintonização estava fraca com um áudio entrecortado e de volume instável. O detetive franziu o cenho tentando ajustar, mas continuava como se estivesse avariado. Depois foram os faróis que apresentaram falhas, piscando tremulamente. Antes que pensasse em algo para solucionar os problemas, reparou num ponto luminoso que despontava à esquerda numa distância considerável, parecendo uma estrela cadente brilhante.

Entretanto, a "estrela" que cruzara o céu mais parecia um meteorito cuja luz fez a noite virar dia por alguns segundos. Frank soltou um palavrão ao acompanhar com um olhar abismado a trajetória do corpo celeste. A claridade baixava conforme o meteoro caía e a escuridão do céu noturno voltava.

Um tremor abrupto balançou o carro de Frank junto com a terra que sentiu o impacto agressivo da queda. Não teve outra escolha senão parar o veículo com os faróis piscantes. O detetive saiu portando seu medidor EMF caminhando para onde acreditava que a rocha flamejante tivesse caído. Se enfiou na mata escura, guiando pelas leituras do EMF. Foi só alcançar uma determinada proximidade que os tracinhos vermelhos do aparelho dispararam até o final do visor num salto velocíssimo que surpreendeu Frank e o deixou cada vez mais intrigado e curioso para o que teria aterrissado. Sacou a arma e prosseguiu.

Assim que encontrou uma luz branca que refulgia de uma cratera funda, mas não muito grande, apontou o revólver não se importando com o que estivesse ali. A luz diminuía. Frank pôde ver, com espanto máximo, um indivíduo com belas asas brancas e resplandecentes parado no centro da cratera. Frank manteve a arma mirada. Um anjo com aparência de um homem afro-descendente careca, de feições sérias e um cavanhaque, além de trajar o que parecia um colete marrom de matéria-prima desconhecida e calças e botas que dava a impressão de serem de tempos antigos e imemoriais.

Abriu os olhos que brilhavam, o que fizera Frank apertar o gatilho instintivamente. O homem defendeu-se da bala com seu bracelete direito numa agilidade impressionante, produzindo um estalido metálico. Sem que Frank desse-se conta já estava perto do detetive como se teletransportasse. Frank encarou atemorizado e altamente desconfiado.

- Onde exatamente vim parar? - perguntou ele, perdido.

- Na Terra. - disse Frank - Acho que cabe à mim a posição de fazer perguntas. De onde você é? Quem você é?

- Adrael, um soldado fiel ao altíssimo. - respondeu ele, calmo - E você deve ser... o escolhido.

Frank assentiu positivamente, mas ainda pouco convencido.

- Que história é essa de escolhido? Agora eu tô muito cansado mentalmente pra digerir o que eu acabei de testemunhar. Queria acordar no meu carro, aliviado porque tirei apenas um cochilo e sonhei com um cara vestido como se tivesse saído de um filme do Hércules de baixo orçamento. Ah, claro, sem contar o par de asas iluminadas. O que tá havendo? É o segundo emplumado que vejo hoje. A diferença é que o primeiro não passa de um monstro que chefia uma legião de demônios.

- Centurião é a denominação mais aplicável a nós. - disse Adrael, andando.

- Então o anjo do mal que vi hoje é isso também? Você o conhece? - indagou Frank, sisudo.

- Ele é o decadente bastião da violência e da morte que deseja trazer uma guerra para nosso mundo subindo degrau por degrau. - disse ele, virando-se para Frank - O que ele tentar começar aqui não será mais do que tentativa de subir para nos alcançar e conduzir seu séquito para nos destruir.

- Ouvi ele dizer que tem um nome verdadeiro sobre o qual ninguém sabe. Todos os chamam de Malvus.

- É por esse nome que também nos referirmos à ele. Sou de uma geração que nasceu sabendo a história de seu atrevimento, desacato e exílio, mas não a sua identidade original. E você Frank é o único capaz de destronar com os objetivos dele visados para este mundo. Do resto nós cuidamos.

- Do resto nada, pelo que tô vendo sou muito mais parte dessa guerra do que parece. Entrei nessa briga de cachorro grande sem querer e só saio dela com a vitória na mão.

- É isso que queremos. - afirmou Adrael - Ver sua missão cumprida com glória. Deve impedi-lo de despertar a aberração.

- Que aberração?

- O rebento profano que será usado como a sua arma aniquiladora. Nós o chamamos de Nefilim. Ele está próximo de se manifestar e somente você pode dar o merecido fim à essa criatura abominável. Não pode fugir desse destino. Até breve.

- Não, espera um minuto aí... - disse Frank, cortando a fala por ver que Adrael desaparecera num piscar de olhos. A partir dali, o detetive tomou dimensão da gravidade, sentindo que era maior do que sua reles pequenez humana poderia suportar.

                                                                                  -x- 

* A imagem acima é propriedade de seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos. 

*Imagem retirada de: https://tropicsofmeta.com/2013/06/21/some-fractured-thoughts/

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