Capuz Vermelho #72: "Marcados Pela Besta"


Harris Gerbaldan era um colecionador pacato, de idade um pouco avançada para arrumar uma casa grande demais para acomoda-lo e uma extensa variedade de objetos para limpar. Estava sentado à mesa do seu escritório terminando de ler um livro grosso sob a luz amarela de uma lamparina que contrastava com o azul da lua que banhava parte do piso de madeira através da janela aberta com cortinas esvoaçantes. O vento repentinamente soprou mais forte o que atingiu as páginas do livro que folhearam fazendo-o desconcentrar. Estressado, Harris levantou-se para ir fechar a janela.

No entanto, parou de andar quando a lamparina piscara tremida, quase que querendo apagar completamente. Harris olhou para trás, estranhando, ajeitando seus óculos, mas voltou-se na direção da janela. Devido à sua força física enfraquecida pela idade, não conseguia baixar a janela que parecia emperrada. De súbito, ela baixou, assustando-o. Sabia que não fora ele.

- Agora me sinto reconfortado. - disse uma voz masculina por trás de Harris que virou-se - Assistir um velhinho tão frágil fazer um trabalho que exige mais do que seu esforço pode chegar é de causar pena. - afirmou um bem encorpado rapaz de cabelo topetado e vestindo casaco preto num visual jovial - Realizar uma boa ação uma vez na vida não é um pecado pra mim. Que irônico. - riu de si mesmo.

Harris pegara uma arma que escondera na gaveta do seu criado-mudo e mirou-a no invasor.

- O que faz na minha casa? Como diabos entrou? Quer que eu chame a polícia?

- Não, o que eu quero... - disse ele, aproximando-se - ... na verdade, infelizmente, não é para meu próprio benefício, mas vai manter minha popularidade intacta. O que o senhor guada no andar de baixo... interessa bastante outro cara bem velho e que de certa forma veio do andar de baixo, se é que está conseguindo me entender. Prazer, ladrão profissional... Ganância.

A bala disparou pegando na roupa do demônio principado, mas não fazendo mais que um buraco superficial.

- Fora daqui, sua criatura vil. Não devo nada à ninguém, muito menos a monstros como você!

- Ah, deve sim. Uma coisa que é mais ou menos desse tamanho - usou as mãos indicando ser um artefato médio -, um cabo, dois pequenos cabos um ao lado do outro abaixo de uma ponta na forma de um círculo com um desenho talhado. Pela sua cara, não vou ter que desenhar, isso é bom, torna mais fácil vendo... todo esse medo estampado. - sorriu maquiavelicamente.

O colecionador quis engolir a saliva, mas sua garganta secara de tanta apreensão.

- O ferrete do diabo. - balançou a cabeça negativamente - Não...

- Sim. - disse Ganância, pegando-o pelo pescoço e tirando os pés do pobre senhor do chão - Te fiz um favor, hora de retribuir.

Harris falava entrecortado. Pôde apontar com seu indicador esquerdo para a estante cheia de livros.

- Obrigado. Não gostaria de deixar sua vida mais encurtada do que já está. - disse o demônio, logo o soltando. Empurrou o móvel para o lado com telecinesia, revelando uma passagem secreta para um compartimento subterrâneo cuja porta arrombou chutando. Harris tocava no pescoço agredido, frustrado. Poucos minutos depois, o viu saindo portando o ferrete.

- Por que um ser demoníaco... resolve poupar minha vida?

- Estou numa missão secreta. Olha, não gasto energia espalhando pedaços de humanos pelos cantos como meus irmãos adoram fazer, então recorro pras ameaças, o que nunca falha, o meu maior poder vem das palavras. Basta saber usar.

- A quem beneficia esse assalto? - questionou Harris, sentindo-se mal.

- Meu chefe, obviamente. - respondeu Ganância, levantando uma sobrancelha - Ele tem muitas cabeças de gado pra marcar.

O principado desapareceu num piscar de olhos, deixando Harris atordoado. Ele tentou caminhar, segurando-se no criado-mudo, mas acabou caindo desmaiado com uma mão sobre o peito esquerdo amassando sua camisa branca com botões.

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CAPÍTULO 72: MARCADOS PELA BESTA

Londres 

Ephram Lankester - ou Belphegor - havia escolhido um dia de manhã ensolarada para discursar em mais um comício, mas com uma excepcionalidade que funcionou para trazer uma quantidade de público acima do que foi registrado nas ocasiões anteriores e cada vez mais mostrava-se certeiro. Misturado à multidão estava Adam observando atentamente a organização preparada para demonstrar o teste da invenção revolucionária ainda coberta por um pano.

Do palanque, Ephram apresentou extasiado seu projeto inovador.

- É com imensurável prazer que eu e minha equipe de campanha pela primeira vez na história temos o orgulho e a honra de expor à sociedade algo que mudará percepções e para melhor, devo ressaltar, trazendo uma verdadeira renovação de esperança e otimismo no enfrentamento armado contra nossos inimigos. Se este experimento que faremos agora der errado, nada mais natural que perder base de apoio popular, mas de minha parte penso em algo mais radical: eu me retiro do jogo.

O comentário gerou burburinhos extensivos na plateia. "Falando assim dá pra ver que não tá nada confiante...", pensou Adam. Ephram decidiu apontar para um espectador aleatoriamente.

- Eu quero você. Seu porte atlético me dá uma boa impressão de que veremos um teste bem-sucedido.

O homem robusto subira no palco, tirando sua boina, se mostrando permissivo ao teste.

- Muito bem, chega de mistério. - disse Ephram, dando a palavra de ordem para retirarem o pano sobre a "máquina". Uma parte do público já aplaudia ao ver engenhoca - Apresento-lhes o amplificador biológico. O que é melhor do que um humano com anos de treinamento militar que envolve auto-defesa aperfeiçoada e manejamento de armas, além de aprendizado de táticas fascinantes? Um super-humano com todos os atributos normais aprimorados e mais um pouco.

No compartimento cúbico, o tal homem escolhido fora pedido para entrar. Assim que fecharam, o gerador foi ligado para aquecer o interior. Parecia que estavam grelhando-o dentro do cubo preto. Adam se inquietava com o possível resultado daquela experiência improvável, assistindo preocupado. O momento da demonstração começaria logo quando o "voluntário" saísse. Aparentemente nenhuma mudança visível nele, mas ofereçam uma barra de ferro para que entortasse com sua força.

- Embora pareça que nada aconteceu e sinta-se da mesma forma que entrou, garanto que um poder formidável flui dentro de você. - disse Ephram, encorajando-o - Só o que precisa fazer é aplicar o mínimo de força para dobrar esse ferro.

Meio cético, o homem segurou firme a barra e forçou suas mãos. O ferro entortava-se até ganhar forma de arco.

Adam ficou surpreso, mas não pela força descomunal que o público ovacionava... e sim pelo que notou rapidamente nos olhos do homem enquanto ele curvava o ferro, algo que tinha escapado aos olhos destreinados da maioria. "Será que eu enxerguei direto ou é coisa da minha cabeça? Os olhos dele piscaram uma luz", pensou ele, fortemente intrigado.

                                                                                    ***

Área florestal de Raizenbool 

No Casarão, o braço-forte da Legião dos Caçadores relatava para Rosie e Hector, na sala de estar, acerca do que testemunhou na duvidosa experiência ao ar livre do protótipo tecnológico de Belphegor para alavancar seu eleitorado às vésperas do pleito. Havia uma intensa concórdia com a teoria de uma fraude para dar a vitória ao soberano infernal.

- Foi no exato momento que ele entortou aquela barra como se segurasse uma bexiga comprida pra fazer um cachorrinho com ela... - disse Adam sentado no sofá menor - Os olhos dele brilharam em laranja, acho que numa fração de segundo.

- Ele não detectou sua presença te reconhecendo, certo? - perguntou Hector.

- Não, apesar de ficar nas primeiras fileiras, me misturei bem naquele monte de focas adestradas aplaudindo o patife.

- Agora que tá mais do que provado o plano diabólico focado em alienar a população pra faze-los acharem que ele é um salvador da pátria visionário e dando uma esperança mais falsa que uma nota de 300 euros, seria bom traçarmos uma estratégia pra sabotar quando ele tornar isso hediondo. - disse Rosie - E é estranho ele investir nisso tão cedo.

- Estranho por que? - indagou Adam - Não é fácil prever o resultado dessa eleição tendo um demônio concorrendo?

- Até onde foi divulgado, as pesquisas seguem manipuladas, dando chance de vitória à ele. - disse Hector - Os desgraçados vermelhos aparelharam instituições de pesquisas com suas trapaças sobrenaturais. O séquito dele está amplamente espalhado.

- Além disso, respondendo a questão, eu quis dizer que se ele tem certeza absoluta de que vai assumir a prefeitura, não faz muito sentido ele gastar tanto pra um projeto vendido como ainda não totalmente finalizado e tornar público antes da votação. - explicou Rosie - Pelo que você disse, não foi apenas uma demonstração. Ele quer antecipar alguma coisa pro dia D.

- O que a Rosie disse tem fundamento. - disse Pandora, chegando ao vir da cozinha - Mas tenho uma teoria mais incisiva.

- Ótimo, manda ver. - disse Rosie, meio insatisfeita com a presença da semideusa - O Derek deve ter ajudado contando o que sabe pelo curto tempo que vocês aproveitaram como companheiros.

- Eu esperava um insulto à memória dele. Como ainda sobram dois pedaços de almas, você tá quase no fim da fase intermediária da recuperação da empatia, isso me deixa feliz. - disse Pandora - Tem que ser hoje ou então nunca mais.

- Matar dois coelhos numa só paulada de novo é improvável. - retrucou Rosie - O improvável é bem mais assustador que o impossível. Se tivermos a mesma sorte como foi com Preguiça e Ira será um milagre do destino, uma casualidade incrível.

- Mas peraí, se ele delatou Belphegor e seu plano, por que você diz ter uma teoria em vez de nos contar um fato? - questionou Adam.

- Derek falou sobre o projeto de dominação das massas que Belphegor pretendia desde que chegou e sabia que envolvia algo ambicioso para controlar pessoas deformando suas almas. Mas ele não permaneceu tempo suficiente pra acompanhar os trabalhos de perto já que foi expulso. Adam, como é a aparência dessa coisa que concedeu super-força pra um inocente?

- Ouviu nossa conversa e resolveu se intrometer só agora? - perguntou Rosie.

- Estava comendo. Panquecas divinas. Você que fez?

- É... Obrigada. - disse Rosie numa boa vontade forçada de agradecimento.

- Enfim, sobre o amplificador biológico... é assim que ele chamou aquele troço. - disse Adam - É um cubo do tamanho de um elevador e tem uns ornamentos... umas formas estranhas em relevo.

- Isso corrobora minha teoria. - disse Pandora, firme no que acreditava - A Caosfera se apoderou da minha caixa para servir de portal a Belphegor, mas com certeza ela foi destruída no processo. Ele pode ter reaproveitado os cacos para forjar o material e preservado a magia negra. Basicamente criou versões da caixa para usar humanos como cobaias que adquirem habilidades extraordinárias. Foi muito mais que um mero teste. Essa pessoa foi apenas a primeira de muitas que serão corrompidas. - ela andou na direção da porta, mas virou-se para Hector - Posso pegar seu carro emprestado por hoje?

- Não vai recorrer ao seu meio de transporte místico? - perguntou ele.

- Magia de teleporte consome mais energia do usuário para se deslocar em 10 segundos do que o combustível gasto de um carro para muitas horas de viagem. - argumentou ela com um sorrisinho - Vocês pegam um táxi ou um bonde pra Amesbury.

- Tudo bem pra você, Rosie? - perguntou Hector.

- Eu permitiria dependendo de pra onde ela quer ir. Mas o carro é seu, então você decide.

- Vou à casa de um criptógrafo que possa decifrar o resto da mensagem. Harris Gerbaldan, esse é o nome dele.

- Harris Gerbaldan?! Li no jornal que ele teve a casa invadida e sofreu uma síncope, mas foi socorrido por vizinhos e passa bem. - disse Hector, surpreso ao ouvir o nome - Ele coleciona artefatos e obras de arte, é mais reconhecido na região dele.

- Bem, diante da circunstância misteriosa dessa invasão, acho que hoje vou bancar a detetive por um dia. - falou Pandora - Como o Adam vai ficar, ligo pra cá dando os detalhes do roubo e ele repassa à vocês quando ligarem de lá. Até mais.

- E quanto à Belphegor? - perguntou Adam, levantando-se.

- Um problema por vez. - disse Pandora, abrindo a porta. Voltou seus olhos para Rosie - A prioridade máxima é a alma da Rosie e finalmente hoje existe a chance. São mais dois principados cometendo o "erro" de estarem na mesma cidade.

A semideusa logo saíra, não querendo perder mais nenhum minuto. Rosie se levantou, mostrando-se pronta.

- Vamos aproveitar que esses dois restantes fizeram uma burrice e chegar com o pé na porta. O táxi ou o bonde primeiro?

                                                                                  ***

No subsolo do prédio ocupado pelos demônios, Ganância aproximava-se trazendo o ferrete de Harris.

- Abram caminho, reles soldados de baixa patente, aqui vai passando o pecado favorito do mestre com o presentinho.

Belphegor, na sua aparência humana e identidade pública de Ephram Lankester vestindo seu terno cinza com gravata vermelha, virou-se para Ganância e focou o olhar cobiçador no objeto de grande valia.

- Parabéns, devo dizer que seu tempo estava próximo de se esgotar.

- Promessa é dívida e missão dada é missão cumprida. - disse Ganância, entregando o ferrete nas mãos do chefe - Agora é a melhor parte: a retribuição pelo meu nobre esforço que nem foi tão duro quanto eu achava que seria.

- Não vai dizer nada sobre o ex-portador?

- Um velhote que coleciona porcarias que não me atraem, dei um belo susto nele. O senhor sabe muito bem que minhas preferências tem relação com materiais caros, especialmente folheados a ouro maciço. É o que tem pra me oferecer?

- De certa forma, sua recompensa é tão valiosa quanto. - disse Belphegor num semblante persuasivo - É louco por mulheres sedentas e caídas de encanto por você, não é? Sei de uma casa noturna onde pode se divertir com elas. É toda sua, o seu parque de diversões, até que esteja saciado. E se o cansaço vier... mate-as, como você sempre faz.

- Que maravilha, sou eternamente grato por tanta liberdade. Eu mal posso esperar.

- Bem, vamos aqui... - disse Belphegor, voltando sua atenção para as pessoas ajoelhadas, amarradas e amordaçadas - ... executar a segunda etapa. - ostentava o ferrete - Começaremos por... - movia o indicador para a esquerda e a direita - ... você. - apontou para uma mulher, a última do lado direito - Não faça cara feia, vai arder só... muito. - dera uma risadinha.

Pressionou o ferrete na testa dela. A mulher dava grunhidos de dor apertando os olhos fechados. A marca parecia uma ferida de queimadura grave e logo emitiu um brilho alaranjado.

- Nenhuma mudança brusca de comportamento. - disse Ganância - O efeito dessa coisa demora quanto tempo?

- A marca está no desenvolvimento de fixação, até que desapareça significa que a fera foi domada. Eles vão reagir agressivamente apenas contra aqueles que não sejam demônios. Levante a cabeça, querida. - a mulher mostrara olhos brilhantes e fulminantes numa expressão que denotava pura raiva - Foi mais rápido e eficaz do que imaginei. Próximo.

                                                                               ***

Hospital Geral de Amesbury

Além do assalto à casa de Harris Gerbaldan, Hector soubera da inexplicável onda de suicídios que tem ocorrido entre pacientes. Com a permissão de uma enfermeira, puderam entrar no quarto de um rapaz que não fora afetado.

- Toque o sino caso precisar de algo, Aidan. - disse a enfermeira - Fiquem à vontade.

- Obrigado. - disse Hector, assentindo - Há quantos dias está internado?

- Não lembro direito do dia do acidente, acho que meu trauma causou algum tipo de sequela, não sei. - disse Aidan que possuía uma bandagem envolta na cabeça cobrindo sua testa - Acho que uns três dias. Nos últimos dois foi que começou o terror. Eles tiveram que solicitar o neurocirurgião recém-contratado, já cruzei com ele nos corredores, mas... tenho uma sensação desagradável, ele tem um olhar de frieza e superioridade, é assim que ele encara os pacientes e funcionários.

- Pra mim não é coincidência suicídios na ala psiquiátrica logo após esse médico estranho chegar. - disse Rosie.

- Você teve sorte ao não ser operado por ele. - disse Hector.

- Mas o doutor Mardon não é vinculado à psiquiatria, pelo que sei ele só trata casos de emergência, traumatismos graves que não garantem muitas horas de vida. Qual a de vocês? Suspeitando de um médico novato de incitar suicídios em massa.

- Na verdade, a informação sobre ele não ser ligado aos psiquiatras é um bom argumento contra nossa suspeita. - disse Rosie - Nós não sabemos e nem você sabe até que ponto um neurocirurgião e um psiquiatra unem seus trabalhos.

- Como acabei de dizer, apenas casos de emergência são de alcance do doutor Mardon. Não tem como o psiquiatra requerer um pedido de cirurgia. - disse Aidan, aborrecido - Que tipo de investigadores vocês são?

Rosie iria responder, mas a porta foi aberta no instante. O doutor Mardon, um homem de meia-idade com uma calvície acentuada, entrava com seu jaleco branco e límpido.

- Me avisaram que os detetives incumbidos de desvendar as mortes recentes estariam aqui.

- Somos nós. - disse Hector - É o doutor Mardon de quem estávamos falando agora há pouco?

- Sim, o próprio e único. Vejo que estão em boa companhia. Olá, Aidan.

O rapaz esboçou um sorriso meio inexpressivo. Mardon lançou um olhar desconfiado e decidiu ignora-lo.

- Será que, por gentileza, nos concederia permissão pra interroga-lo? - perguntou Hector - Espero que não se ofenda.

- De modo algum, eu estava querendo mesmo uma conversa particular com vocês. Apesar desta infraestrutura não corresponder exatamente à minha competência e à minha trajetória profissional, eu prego meu diploma na parede honrado pelo que faço, não importa o lugar. Me acompanhem, estejam livres para perguntar o que quiserem. Sem torturas, por favor.

- Ele consegue ser péssimo pra disfarçar humildade e no senso de humor ainda pior. - cochichou Rosie para Hector saindo do quarto. Ao adentrarem no recinto, Mardon trancara a porta - Espera aí, isso não é necessário.

- Se eu deixar que fiquem vagando nesse hospital, não passarão de empecilhos. - disse Mardon... ou Soberba.

- Você é ele... - disse Rosie - Não tínhamos dúvidas.

- Soberba. - disse Hector - Também íamos armar uma cilada pra você, previmos seu movimento.

- E onde está o plano genial que não vejo? Estão bravos comigo por livrar insignificantes almas de um sofrimento duradouro?! Não escolhi a medicina para curar suas dores, eu atendi aos desejos delas. Fracas, inócuas e vazias, estavam condenadas.

- Curando os pacientes com... morte? Você não tem direito nenhum pra julgar quem deve viver ou morrer.

- Direito talvez não, mas tenho o poder. - disse Soberba, o queixo erguido - E já que obstáculos vieram até mim, é uma boa razão pra usa-los. Só sairão daqui quando eu mandar. - desaparecera em nanosegundos.

Hector dirigiu-se à porta, mas sua mão ardeu queimando ao aproxima-la da maçaneta que aqueceu como se tivesse saído de uma forja. O caçador afastou imediatamente, sacudindo a mão cuja queimadura se regenerava.

- Ele utilizou magia quando nos trancou. Na pior das hipóteses, seremos os únicos a sair vivos daqui.

Rosie refletia apreensiva, mas lhe crescia uma impotência misturada à raiva pela incapacidade de salvar.

                                                                                  ***

O gabinete de Ephram estava lotado de soldados que vieram juntamente com um general da divisão de combatentes da guerra para selar um acordo de beneficiação mútua. O candidato a prefeito de Londres assinava o documento.

- Eu realmente não tenho palavras pra expressar minha gratidão. - disse Ephram - Uma lisonja que meu projeto tenha recebido notoriedade da classe militar, principalmente do senhor que tomou a iniciativa propondo os seus homens.

- É como dizem: uma mão lava a outra. - disse o general - Mais força para o meu exército igual a mais votos para sua campanha. Já prevejo a baixa nos custos de armamentos quando o desempenho da minha divisão fazer todos ficarem de queixo caído. Então é bom que a versão definitiva venha melhor que a amostra grátis.

- Asseguro com total certeza que virá. - disse Ephram, entregando o papel ao general.

- Essa promessa você pode riscar da lista. - afirmou o general Holt entrando na sala ao lado de três dos seus soldados.

- Perdão, posso saber quem autorizou sua entrada? - indagou Ephram, claramente incomodado.

- Eu me autorizei - disse Holt mostrando uma arma - porque ainda exerço o poder que me foi outorgado legitimamente e que acabei de recuperar. Seus empregados sentiram medo de levar um tiro, acho que pra manter as aparências com as visitas.

- Cuidado com as palavras, general. O que gostaria de falar em público sobre mim pode conduzi-lo para um manicômio ou uma prisão. - retrucou Ephram, debochando da postura impetuosa de Holt.

- Eu não seria tão louco, mas se descumprir esta liminar judicial você quem vai parar atrás das grades. - disse Holt, exibindo um papel assinado por um juiz - A justiça determinou a proibição de negociar sua proposta de campanha legalmente com instituições militares privadas pois ainda é candidato, mas está agindo como se já fosse eleito. Nada mais patético.

- Não mudou nada, Holt, continua insolente. - atacou o general da divisão.

- Melhor jogar suas queixas pra cima do juiz, não de mim. O que ele quis fazer é ilegal e não pode desafiar a lei.

- Lamento muito, senhores. - disse Ephram - É lastimável que esse imprevisto desmanche com um ótimo negócio.

O telefone de Ephram tocara.

- Poderiam se retirar, por favor? - pediu ele para o general de divisão e subordinados, mas Holt ficara - Isso vale pra todos. Vamos, vamos, sumam daqui. - Holt saíra com seus homens com uma cara fechada de repúdio. Por fim, Ephram atendeu a ligação - Alô. Ah, Soberba... E Ganância também?! Ambos na mesma cidade, eu devia mata-los por essa estupidez. - continuou ouvindo - Era só o que faltava, esses dois impertinentes, o caçador e a brava donzela de capa vermelha. Envie uma mensagem telepática à Soberba, peça que ele os retire do hospital... os mandando a outro lugar, um que conheço bem.

                                                                           ***

Harris Gerbaldan andava devagar até a porta para atender a pessoa que batia.

Surpreendeu-se ao ver que era uma bela moça jovem com cabelos pretos lisos com uma mecha diagonal na parte superior da face e vestindo calças e botas pretas e um casaco verde escuro por baixo de uma blusa branca.

- Olá, e-eu... Olha, desculpa o incômodo, mas preciso da sua ajuda com uma mensagem cifrada.

- Eu sei quem você é. A desertora. A filha de Zeus. - disse Harris - Pandora. Nos encontramos novamente.

- Não tô entendendo. Pra mim estou conhecendo o senhor nesse exato momento. E como sabe meu nome?

- Claro que não me reconhece pois se visse uma foto minha na juventude lembraria imediatamente. Trocamos olhares uma vez na fraternidade. Você andava pra cima e pra baixo com um tal de Derek.

- A mensagem que eu trouxe foi escrita por ele que morreu há poucas semanas. Mas não lembro de ninguém com o nome do senhor na Caosfera antes da minha traição. Dá pra notar que pela sua velhice é um mago do caos aposentado.

- Sim, eu abdiquei da minha magia, pelo menos eu apresentei formalmente um pedido de desligamento. - disse Harris, soando irônico com relação à abaladora traição da semideusa.

- Não vim explicar meus motivos por virar as costas para a organização que teve lá sua importância na minha vida, mas quero enterrar esse passado e que o senhor decifre os códigos. Uma vantagem e tanto ter um mago do caos pra isso.

- Entre, não sou de negar favores. - disse Harris, gentil.

Enquanto isso, no hospital de Amesbury, Soberba reapareceu na sua sala. Rosie e Hector se posicionaram para se antecipar a um movimento hostil. Porém, o principado não aparentava querer feri-los.

- Por que voltou? - perguntou Hector, sacando sua adaga de irídio - Não vá nos dizer que modificou seus planos.

- Fui obrigado a alterar a situação de vocês. Ordem do porta-voz do alto escalão.

- Um pau-mandado do Belphegor te pediu pra fazer o quê conosco? - questionou Rosie - Vocês demônios podem se teleportar, ele não podia vir pessoalmente à você e te ordenar, além de dar uma bronca por você e Ganância terem vindo parar na mesma cidade? Foi articulado ou coincidência?

- Vou me eximir de responder, então perguntem ao Ganância. - disse Soberba, altivo. O demônio esticou seu braço esquerdo como se empurrasse o ar, mas expulsara Rosie e Hector do hospital. A dupla caiu na boate em que Ganância luxava com mulheres atraentes e voluptuosas bebendo champanhe sentado num sofá de couro púrpura.

- Estão servidos? Gostam de bourbon ou gim? - perguntou o demônio contando notas de dinheiro - Eu posso dividir uma delas com o caçador e a garota encapuzada somaria ao meu harém. Não me façam sujar esse lugar com o sangue de vocês.

- Viemos pra festejar de um modo diferente. Ao nosso modo, aliás. - disse Hector, segurando sua adaga de irídio.

- Esse chão vai ficar bem sujo, mas com as suas cinzas. - disse Rosie, logo avançando contra o demônio portando sua adaga. Ganância estalara os dedos fazendo suas amantes desaparecerem. O demônio esquivava dos ataques de Rosie com uma destreza perfeita até que que lançara-a ao chão com sua telecinesia e arrastou a lâmina para longe com o mesmo poder.

Hector veio superveloz como licantropo, pondo-o contra a parede e apontando a lâmina para seu pescoço, a qual Ganância segurava para impedir que perfurasse-o. Mas o demônio levou a vantagem, infligindo uma dor de cabeça no caçador.

Ganância chutou-o na barriga e em seguida dera um soco no queixo.

- Hector, vai encontrar a saída, eu dou conta dele! - disse Rosie, levantando-se e limpando sangue da boca.

- Você?! Eu nem sequer apelei pro meu toque sedutor pra torna-los meus escravos. E olha que eu pareço tão fácil de matar. Percebi que é mais divertido usar minha força do que a hipnose. O caçador é um sobrenatural. Por que ele tem que ser seu assistente?

- Ele não é meu assistente. - disse Rosie. Hector a fitou com expectativa - É só meu parceiro.

- Está bem, antes de descarregar todo o meu poder demoníaco pra mata-los de uma vez, gostaria de saber de quem foi a ideia ridícula de manda-los pra cá e estragar minha festa.

- Do seu chefe. - respondeu Hector - Soberba acatou a ordem pra ganhar tempo de orquestrar múltiplos suicídios no hospital que tomou de assalto. Temos que impedi-lo e rápido. Prometemos não mata-lo hoje se nos enviar de volta até lá.

- Ei, que droga de plano é esse? Vai atrás da saída, não tenta blefar com esse monstro! - repreendeu Rosie.

- Vão me desculpar, mas o teleporte de expulsão só funciona quando se conhece o local. Tem que visualizar mentalmente, portanto é óbvio que Soberba esteve aqui, mas não vou dizer onde de fato estamos. Que tal passear por aí e descobrir?

Hector tinha esgotado sua paciência e saiu em disparada para procurar a saída, deixando Rosie a sós com o demônio. O caçador, contudo, parou num corredor, esquadrinhando o labirinto. Ele definitivamente não se preparou para o que vinha.

- Ora, veja só. Há quanto tempo, Hector. - disse Belphegor dobrando para o corredor - A que devo a honra?

Hector o encarou com os dentes cerrados de maneira enfurecida, mas atemorizada. Na boate, Rosie foi jogada contra uma prateleira cheia de garrafas que se despedaçaram com o impacto. A jovem reergueu-se, arremessando uma adaga, mas Ganância a pegou de jeito no cabo e largou.

- O que foi? Era a última que você tinha? Pela sua carinha frustrada, sim.

Rosie viu bebida derramada sobre o balcão e tivera uma ideia desaconselhada. "Se eu não arriscar, isso não acaba logo".

Tocou no brasão de Yuga que brilhou e depois encostou a palma da mão esquerda no líquido que logo incendiou. A jovem manejou as chamas mantendo o brasão aceso e as lançou direto para o rosto de Ganância que rodopiou desesperado tentando apagar o fogo. Rosie pulou o balcão para reaver a adaga e a apanhou. Ganância sentiu nas costas a ponta da lâmina esfaqueando-o e soltou um urro com sua face coberta de fogo e rapidamente seu corpo reduziu-se à pedra e enfim decaiu em cinzas.

Infelizmente, Rosie experimentou uma reação adversa ao leve uso da energia divina, acabando por espirrar sangue pelo nariz. Ela caiu de joelhos olhando assustada. Não bastando isso, veio depois a dor lancinante, resultado de um pedaço de sua alma restituindo. Em paralelo, Hector sofria nas mãos de Belphegor, se limitando à defensiva e levando vários socos.

- O cãozinho não tá afim de brincar? - perguntou o soberano infernal, pronto para desferir outro golpe. Mas Hector defendeu-se com mais firmeza, aguentando ao máximo. Usou sua supervelocidade para se pôr detrás de Belphegor e quebrar seu pescoço. No entanto, assim que Hector virara as costas, Belphegor reerguia-se como se nada tivesse lhe acontecido - Pensou que isso teria o mesmo efeito em mim assim como em você? Lobinho tolo. - limpou seu terno.

- Já entendi toda a estratégia. - disse Hector - Nos tirar do hospital para nos prender aqui, considerando que não sabíamos que é o prédio onde você trabalha fingindo-se de humano. A boate não foi nada mais que um disfarce premeditado pra nos fazer lutar com Ganância e deixar Soberba livre para causar mortes no hospital. Parabéns, você nos encurralou.

- A propósito... Onde está sua amiga? Eu não lembro bem do nome dela... É Rosie? - perguntou Belphegor que bateu palmas e num piscar de olhos Hector se viu com ele na boate - Ah, aí está ela. Parece que vencer Ganância a desgastou.

- Rosie. - disse Hector, correndo até ela - Você está bem? É o efeito da sua alma se reconstruindo né?

- Sim, mas... também me sinto mal por outra razão. Eu usei a energia divina, só um pouco.

- Você o quê? Quantas vezes eu falei que...

Belphegor fechou suas duas mãos, gerando asfixia intensa nos dois.

- Sintam a esperança da realidade próspera que almejam desvanecer diante de vocês. Tremam, chorem, agonizem...

Hector se arrastava, arfando com a boca aberta. Rosie não suportava o ar esvaindo dos pulmões. Seria ali o fim da linha?

                                                                                     ***

O colecionador terminava de escrever a decodificação da segunda mensagem com outro sistema de caracteres especiais.

- Me pergunto o motivo pelo qual ele teve medo de falar com todas as letras sem esses códigos desnecessários.

- Ele desejou que eu encontrasse o senhor, a única pessoa confiável capaz de decifrar. Pra mim não pode ficar mais claro, tudo se encaixa perfeitamente. Significa que ele sabia da sua aposentadoria e do seu talento com os códigos estritos da Caosfera, também sabendo que Belphegor planejava mandar um dos principados vir roubar o ferrete que pertencia ao senhor.

- Principados?! Se refere aos soldados de elite do governante do Tártaro? Os sete pecados estão aqui?

- Atualmente, apenas dois. Tem sido dias difíceis porque... uma amiga minha teve sua alma roubada por Belphegor que a dividiu em sete partes para os principados e precisamos matar cada um deles para recompleta-la. O pior quebra-cabeça de todos. Eu gostaria de fazer algo por ela uma última vez. Pra ver se meu esforço de me provar arrependida valeu a pena.

- Aqui está. - disse Harris - Vou tomar uma aspirina, seu namorado não brincou em serviço.

- E eu achando que estávamos nos tornando mais íntimos. Desabafei sobre um problema que envolve uma pessoa no olho desse tornado e o senhor não pareceu dar a mínima. Mas agradeço a ajuda, toma logo o remédio pra enxaqueca.

- Pensei, inocentemente, que você, como semideusa, fosse poderosa o suficiente para enfrenta-los.

- Principados não são facilmente rastreáveis como qualquer demônio. Eu fiz minha parte dentro do meu alcance. O sangue de Zeus corre nas minhas veias, mas não significa me obrigar a ser forte quando me sinto frágil. - disse Pandora, conferindo a tradução do código e se espantando - Então era isso... Pra ser sincera, eu só estive tentando atrasar o inevitável.

- Por que? O que quer dizer? - indagou Harris, franzindo o cenho.

- "A espada que extirpará o mal na Terra". A Caosfera a roubou do meu cofre há anos, eu mesma a forjei pra que quando chegasse o dia uma alma pura matasse Belphegor, achei que nunca a teria de volta, por isso temi que aquele futuro maldito se realizaria e não haveria nada que pudesse evita-lo. Nem minha magia de selamento mais forte resistiu ao poder concentrado de tantos magos e a minha magia faz muito mais do que a de todos eles juntos. Derek confiou em você, usou dois códigos diferentes para criar a charada e a resposta. A localização e o que se encontra nela.

- Pois é, ele foi um gênio. Esta arma, espada, faca ou o que quer que seja, chama-se Arkanon, certo? Ouvi comentários na época, o que pra mim não foram mais que meros boatos, afinal era de você que falavam. Inimaginável que um local secreto protegido com a magia de uma semideusa fosse violado por uma dúzia de gatos pingados.

- Pensava dessa forma também. Mas agora, após tantos anos, vou recupera-la e transferir pra pessoa digna de empunha-la. Se não for ela, ninguém mais nesse mundo será. - disse Pandora, o semblante sério para Harris.

A semideusa havia se despedido de Harris e fora direto a uma cabine telefônica discar o número do casarão. Adam ouvia o rádio sentado no sofá numa postura ruim que o fazia relaxar. O toque do telefone o levantou depressa para atender.

- Pandora, é você?

- Sou eu. A Rosie ou Hector chegou a ligar?

- Não, nada até agora, devem estar bem atarefados... ou seja, metidos numa tremenda enrascada.

- Escuta só: O Harris foi roubado por um principado, o demônio da Ganância. Levou um ferrete, daqueles que marcam a fogo.

- Espera um instante... - disse Adam escutando atentamente o que o locutor noticiava no rádio - Ah não... Estavam transmitido uma entrevista gravada do Ephram, daí interromperam a programação pra dar uma notícia nada boa. - fez uma pausa, preocupando-se - Tá acontecendo algo no hospital geral de Amesbury, a imprensa ainda não sabe exatamente o quê.

- Vou indo pra lá agora. - decidiu Pandora - Continua aí, não saia. Mas não prometo sobreviver.

- Pandora, por que você... - a fala do caçador foi cortada com a ligação encerrada. Adam comprimiu os lábios, atordoado.

O sofrimento sufocante de Rosie e Hector prosseguia no prédio ocupado pelas tropas de Belphegor.

- O que não suporto é essa indecisão que me divide entre fazer de vocês meus brinquedos para montar e desmontar ou poupa-los para que me sirvam como um desafio motivador. - disse Ephram.

Hector sacou uma adaga de modo que o demônio não notasse e levantou-se forçosamente para lança-la contra ele. A lâmina parou no ar, flutuando com a telecinesia de Belphegor que em seguida a superaqueceu até que virasse uma pasta fervente como lava caindo no piso. Rosie estava à beira da inconsciência, a visão extremamente turva.

- Que persistentes. O colapso pulmonar está atrasado pra dois humanos e não sei se fico irritado ou fascinado.

- He... Hector... - disse Rosie, não aguentando mais, as mãos no pescoço.

- Vê-los lutarem por suas vidas nesta circunstância é prazeroso de muitas formas, porém... - disse o demônio, prontamente abrindo as mãos e desistindo de asfixia-los - ... não é minha política travar uma guerra na zona de conforto, é desmoralizante. Eu necessito de um oponente que responda à altura. Diferente de muitos, eu me envergonho da fraqueza dos meus inimigos.

Ambos se levantavam para retomar fôlego. Rosie tocou novamente no brasão de Yuga.

- Eu tive o bastante por hoje. Cansei de fraquejar! Apothe-

Hector tapara a boca da jovem que logo retirou a mão do caçador rispidamente.

- Seu nariz estava um pouco sujo de sangue e vendo o seu estado e você ter confessado que matou Ganância com a energia divina... Tivemos uma conversa muito séria sobre isso, Rosie. Isso vai te matar dolorosamente aos poucos.

- Não ligo se eu tiver que morrer dando a surra que ele merece! - disparou Rosie - Quer deixar a oportunidade escapar? Escolha sua, mas não minha.

- Então há consequências graves quanto ao uso do poder que é ativado com esse colar. Leo esteve de posse dele. - disse Belphegor, satisfeito - Claro, é por conta da sua alma ainda incompleta. Mas deposita tanta fé num poder superior que fortalece e envenena ao mesmo tempo? Vocês não sabem tudo sobre mim e essa ignorância vai lhes custar caro.

Enquanto isso, o principal corredor do hospital geral de Amesbury estava repleto de corpos ensaguentados. Pandora entrava devagar abrindo a porta dupla suja com respingos de sangue. A cada olhada na trilha de cadáveres, um embrulho no estômago. A semideusa avistou Soberba à alguns metros de distância parado observando-a.

- Não é lindo? As libertei de um fardo que não acrescentava nenhum valor nas suas míseras vidas.

- Você se olha no espelho achando que talvez seu poder supere o de Belphegor. Eu tô errada?

- Sou o número um na lista de classificação dele. Se ele não quiser se perpetuar no comando, serei o primeiro à disposição para sucede-lo.

- Que pena pra você eu vir aqui pra garantir que isso nunca aconteça. - disse Pandora. A semideusa ergueu de leve as mãos bem abertas recitando um feitiço à medida que caminhava até Soberba. As lâmpadas fluorescentes explodiram com faíscas.

A magia triturava cada osso do corpo de Soberba, mas independente disso o principado andava até ela, audacioso e insubmisso. Sua resistência para se manter de pé era absurda. Cambaleava, mas não se permitia cair.

- Plenus Fractus! - disse ela, conseguindo derruba-lo - Sentiu o gostinho de como é estar abaixo de alguém? Humilhado, subjugado e enfraquecido? Com esse feitiço no máximo, pude colocar você no seu devido lugar. - ela esforçava-se para sustentar sua força de conserva-lo naquele estado. Tirou sua adaga de irídio e a fincou debaixo do queixo do demônio. Porém, Soberba não saiu tão indefeso ao gastar suas últimas energias. Como golpe final, o demônio cravou sua mão direita na barriga de Pandora abrindo uma ferida profunda e a semideusa caiu sangrando ao passo que Soberba reduzia-se à cinzas. Devido à morte do único principado que restava, Rosie sentira sua alma recomposta totalmente, desta vez sem dor.

- Rosie, o que houve? - perguntou Hector estranhando o comportamento dela que estava parada olhando para o nada.

- Acabou. - disse ela, formando um sorriso confiante - O demônio da Soberba, ele... foi morto. Minha alma está completa.

Belphegor franziu a testa ao ouvir aquilo, fazendo uma expressão sisuda de incômodo.

- Confia na palavra dela, Hector? Eu sei que a cada parte recuperada, ela sofre com uma dor extrema.

- Só tem um jeito de provar. - disse Rosie, pegando no brasão - Apotheosis!

- Não! - gritou Hector que rapidamente protegeu seus olhos da altíssima claridade emitida pelo brilho da fênix apoteótica ativada. Os cabelos de Rosie ganharam um tom de loiro vivo e sua aura dourada emanava reluzente.

A jovem desferira um soco pesado em Belphegor que o jogou para cair sobre um gramofone. Hector espantou-se com a potência do ataque. Rosie se aproximava para aplicar a segunda dose, mais precisamente a surra que havia prometido.

- Não, para trás! Você disse a verdade, Soberba sucumbiu. - disse Belphegor, levantando-se - Mas não pense que estou sendo covarde. Pelo contrário, é generosidade minha pedir uma pequena trégua!

- Agora que sentiu na pele o verdadeiro poder divino, simplesmente pede pra que eu pare? Covardia é um bom nome pra essa atitude. Eu vou te destroçar, queimar a sua alma até não sobrar nada!

- Sua tola, mesmo que gastasse sua energia no limite do limite não conseguiria me derrotar. Por isso aqui está minha respeitosa generosidade: Existe apenas uma coisa capaz de me matar por definitivo. É uma espada lendária forjada com o irídio de uma cidade inteira por ninguém menos que a primogênita de Zeus...

- Pandora. - disse Hector - Ela é a detentora dessa espada? Ela teria nos contado muito antes.

- Então cobre dela as explicações. Que justificativa ela teria pra ser tão omissa? Mas a questão importante é: Será que encontram essa arma mortal a tempo da minha eleição? Um, dois, três e... valendo. - disse Belphegor, desaparecendo.

Rosie virou-se olhando para Hector com uma veemente seriedade.

- Quantos dias temos pra achar essa espada?

Hector respondeu com igual expressão, mas num misto de ansiedade.

- Três dias. - respondeu ele, incerto sobre cumprirem a missão dentro de tal período.

                                                                                ***

As operações na usina seguiam a pleno vapor com vários demônios trabalhando nas caixas corruptoras. Os operários foram surpreendidos com a chegada de Belphegor na sua aparência humana de Ephram Lankester, tirando o paletó cinza, a gravata e a camisa branca. Sem entender nada, seus subservientes o encaravam vir aproximando-se.

- Liguem o amplificador, serei a cobaia do meu próprio experimento.

- Mas mestre... Os níveis de energia ainda não se estabilizaram, há protótipos inacabados.

- Eu mandei ligar o amplificador já! - esbravejou ele, tomado pela fúria. Uma caixa foi preparada e Belphegor adentrou não temendo um possível risco - Certifiquem-se de as válvulas estão ajustadas, pois quero os níveis de energia no máximo e não contestem ou me desfaço de todos vocês.

O compartimento fora fechado e o gerador acionado. Jatos de fumaça estouraram nas maquinações de tão exorbitante que o fluxo de energia se tornara. A caixa fervilhava e o calor transcendia se alastrando pela usina, sinalizando uma sobrecarga na máquina. O resultado não poderia ser diferente: uma explosão arrasadora expandiu-se matando todos os demônios e causando destruição de proporções catastróficas na usina.

Em meio ao fogo elevado, Belphegor saí dos destroços na sua forma demoníaca e caminhava por entre as chamas, convicto de que aumentou seu poder. Labaredas brotaram do seu corpo e dos seus chifres curvados se alastrando. O soberano infernal sorriu maquiavélico e maravilhado pensando unicamente em Rosie e no revide que daria muito em breve.

                                                                       CONTINUA...

*A imagem acima é propriedade de seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos.

*Imagem retirada de: https://www.teologaroficial.com.br/lucifer-e-o-nome-do-diabo

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