Frank - O Caçador #30: "Atração Fatal"
No cômodo de aprontamento dentro do local de eventos alugado por um preço bem salgado, Carrie deslumbrava-se olhando-se no espelho com o modesto vestido de noiva branco que ia até seus joelhos. A cerimonialista, uma jovem morena de cabelos crespos, a fitava sorridente e encantada. Porém, notou que Carrie havia esquecido do zíper aberto na parte de trás.
- Ah, só um minuto. - disse a cerimonialista andando até ela. Fechara o zíper - Vendo você tão orgulhosa e feliz que nem me toquei de ajuda-la a fechar o vestido, imagina só a gafe na hora de caminhar pro altar.
- Como estou? - perguntou Carrie, virando-se, radiante - No começo pensei numa coisa mais inspirada na Cinderela.
- Com sapatinho de cristal e tudo? - perguntou a moça com o cenho meio franzido e sorrindo de canto.
- O que teria de mais próximo da história é o príncipe verdadeiramente encantado pelo qual jurei meu amor eterno e a fada madrinha... que é você. É a sensação de estar vivendo um real dia de princesa graças ás suas boas preferências de moda.
- Bem, não seria uma princesa completa do mundo real sem a tiara de brilhantes. - disse a cerimonialista, pegando a tiara que Carrie também esquecera e a pôs na cabeça dela - Perfeita. Agora vai lá, cabeça erguida, sorrisão no rosto e arrasa.
- Você definitivamente é a melhor pessoa que pude achar pra tornar esse casamento fabuloso. - disse Carrie, abrindo um largo sorriso de emoção - Quero vê-la disputando o buquê, hein.
- Presença confirmada é presença marcada, palavra de fada madrinha.
Ambas riram juntas como amigas que conheciam-se há anos. Carrie adentrava na igreja ao som da trilha típica de casamento, segurando um buquê de rosas brancas ao caminhar pelo tapete vermelho rumo ao altar de onde esperava seu noivo tão ardoroso quanto ela. Frank, vestindo um smoking preto, expressava uma face alegre que seu maxilar podia estar dormente de tanto tempo que não a fazia. A noiva sorria para os convidados que enquanto andava devagar.
Carrie deu sua mão direita à ele para subi-la no altar e ficarem diante do padre.
- Estamos aqui hoje para celebrar este sagrado matrimônio regado à valores imprescindíveis nas nossas vidas e que...
- Ah, padre... - disse Frank, interrompendo-o - Será que dá pra pular umas delongas e passar direto pro "fale agora ou cale-se pra sempre"? Desculpar faltar respeito com as convenções, mas nossa pressa tá na mesma medida que o amor que nos uniu até aqui. - olhou para ela que retribuiu um sorriso de fascinação - E só vai aumentar depois que pusermos as alianças.
O padre, consternado, pigarreou forte e se viu limitado de opções.
- Muito bem, como quiserem. - falou, hesitante - Para a união deste casal se existe alguma testemunha contra... que fale agora ou cale-se pra sempre. - todos os convidados olharem para trás, alguém vinha chegando.
- Eu! - disse o homem com firmeza.
Mas não era um atrasado e sim a testemunha opositora. A sombra do homem foi se engrandecendo vista no tapete vermelho e todos o observavam entrar. Carrie e Frank viraram-se e sincronizaram suas reações de espanto total.
- Você?! - disse Carrie, aborrecida.
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CAPÍTULO 30: ATRAÇÃO FATAL
Departamento Policial de Danverous City - Dois dias antes
No dia anterior, Fred havia recebido por e-mail uma intimação para prestar um depoimento que esclarecesse sua entrada não-autorizada no necrotério de ocupação exclusiva da médica legista, Eileen Hopkins, que naquele momento estava sentada ao lado do detetive defronte à Ernest que os olhava com os cotovelos apoiados na mesa e as mãos entrelaçadas.
- Primeiramente, devo dizer que lamento ter causado transtorno. - disse Fred, a face meio triste - Eu não sabia o que fazia.
- O que tá querendo dizer com isso? - perguntou Eileen, ríspida - Invadiu minha sala sem permissão e saiu correndo como se estivesse fugindo. E tudo o que tem a falar em sua defesa é "não sabia o que fazia"? Conta aquela do papagaio agora.
- Srta. Hopkins, por favor. - disse Ernest pedindo calma - Ele se desculpou, o arrependimento dele é bem sincero pelo que se pode ver. - voltou-se para Fred- Muito bem, Fred, pode dar a devida justificativa pela sua invasão desautorizada.
Fred deu uma olhadela lateral desconfiada para Eileen que permanecia áspera na expressão.
- Eu estava entorpecido. Comprei pílulas calmantes pra minha síndrome do pânico numa farmácia clandestina e me enganaram na cara dura, então as pílulas eram... psicodélicas, não conseguia distinguir realidade de alucinação.
- Teve de parar justo na minha sala de trabalho? O que me garante que você não é usuário?
- Era venda ilegal que achava ser oficial, se eles me dessem uma nota fiscal eu teria provado. - retrucou Fred - Será que dá pra segurar a onda? Eu não fiz nada lá dentro, apenas... endoidei, fiquei chapadão vendo o mundo com outras cores.
- Francamente... - disse Eileen, desapontada - Bem, não vamos esquecer que você gritou comigo quando chamei sua atenção. Um grito assustador que me arrepiou inteira. Suponho que seja efeito dessa droga.
- Eles também não me deram uma bula.
- OK, decidido: Vou aplicar uma advertência à você, Fred, pois essa alegação é bem duvidosa.
- Pra mim é 100% verídica. - disse Eileen lançando um olhar mordaz - Sendo assim, fico satisfeita. Obrigada diretor.
Ernest assentiu para a legista enquanto ela levantava-se para sair. Assim que Eileen fechara a porta, a postura de Ernest mudou diante de Fred.
- Ótimo, barra limpa, agora me conte o que exatamente fez você ir ao necrotério escondido. Já sei que foi por um caso.
- Um caso paranormal que eu e o Frank estávamos investigando por sugestão minha, mas ele recusou de primeira e depois reconsiderou, a gente tá nessa junto porque me solidarizo com o Frank e a situação que ele tá lidando.
- Qual a necessidade pra esse caso a ponto de você invadir uma sala particular sem passar por mim ou pela Eileen?
- O sangue de um cadáver recém-recolhido era nosso trunfo pra acabarmos com um monstro que copiava aparências de vários outros. Deu certo graças à estratégia do Frank. Não vai manter a advertência, vai?
- Eu deveria. Mas circunstâncias extremas pedem medidas drásticas. O que não entendo é ter saído de repente sem dar a menor satisfação pra Eileen e quando digo isso quero dizer subterfúgio.
- A parte da síndrome de pânico é verdade pura. Fiquei nervoso ouvindo os passos dela vindo até a sala depois que coletei o sangue e claro que não tinha onde me esconder. Escapar daquele jeito foi bem imprudente, apesar do meu estado.
- Entendo. Se ocorrerem mais episódios de pânico, não hesite em me avisar, posso lhe dar um atestado, vá se tratar.
- Não, pode deixar, tenho consultas marcadas com um psiquiatra de confiança e ainda posso dar conta do trampo independente das minhas crises, eu garanto pro senhor. - afirmou Fred numa postura otimista, levantando-se - Se tem uma coisa que invejo no Frank é o privilégio de ter tido um chefe como melhor amigo.
- Mas considero você um amigo meu. Ainda mais agora que acertou suas diferenças com Frank.
- Nem sei o que dizer... Tô lisonjeado. Obrigado pela generosidade, diretor. - disse o detetive, logo virando as costas para ir embora. Porém, Ernest chamara ele que se virou rapidamente.
- De quem partiu a ideia de você ir ao necrotério que nem um gatuno furtivo?
- Da Carrie. - disse Fred, logo indo. Ernest soltou um grunhido de raiva, percebendo a quem deveria realmente punir.
***
No corredor, Fred avistou Eileen caminhando uns metros adiante e tentou alcança-la. A legista percebeu o detetive seguindo-a e acelerou seu ritmo, revirando os olhos de aborrecimento.
- Ei, espera aí, só uma palavrinha, não vai doer. - disse Fred, a passos largos. Eileen virou-se com o queixo erguido, fazendo questão de expressar que mantinha ressentimento - Eu queria... ahn... pedir desculpas somente entre nós dois.
- A pressão que o diretor te colocou não forçou um arrependimento sincero ou bom o suficiente?
- Não, a verdade é que... Não adianta insistir, né? Você vai guardar mágoa pra sempre, tá bem claro.
- Me contentei com seu castigo pela invasão em si. O problema é que também não me convenci muito do seu relato.
- E o que você quer que eu faça? Me ajoelhar aos seus pés implorando o seu precioso perdão?
- Vou dispensar a ironia e pedir que prove ter ingerido as pílulas enganosas. - disse Eileen, feliz pela proposta do desafio - Me mostra o frasco pelo menos, já que é tarde pra um exame toxicológico. - retomou sua andança na direção do seu gabinete.
Porém, a médica legista estacou baixando os olhos para a brecha inferior da porta, bem na soleira, onde viu uma carta envelopada e presa entre o lado de fora e o de dentro. Pegou-a e tomara um susto ao ver o nome do remetente. Nem precisou ler a carta cujo conteúdo era bastante óbvio pelo coraçãozinho pintado de caneta vermelha, pois uma raiva crescia somado à uma certeza. Pensou imediatamente na pessoa que armara aquilo, amassando o envelope branco.
***
Carrie quase derramou seu café na mesa, prestes a dar um gole, quando Eileen invadira sua sala bufando de irritação. A legista jogou a carta sobre a mesa da assistente de seu "admirador".
- Ei, qual é o seu problema? - indagou Carrie, reclamando - As únicas pessoas que podem chegar assim são meu agente e o diretor. Pode dar meia-volta, bater delicadamente na porta e dizer "com licença, posso entrar, por favor?".
- Minha falta de educação é por um bom motivo que está bem aí na sua frente. - retrucou Eileen, cruzando os braços, zangada - Não se envergonha disso? Estamos num departamento policial, não na quinta série.
- Recebeu uma cartinha de amor do Fred? Por que ele faria isso? Você seria a garota mais aleatória com quem ele flertaria.
- Ele nunca faria. Porque, na verdade, só aconteceria por meio de uma pegadinha esdrúxula.
- Tudo bem, vitória sua. - disse Carrie, erguendo de leve mostrando sua rendição - Eu fiz, mas não por mal.
- Certamente que não ia ser uma coincidência incrível o cara que invadiu minha sala de operações endereçar uma cartinha romântica ao meu gabinete no dia dos namorados. - argumentou Eileen - Vindo de você não consigo acreditar na brincadeira.
- OK, desculpa por ter soltado umas piadinhas sobre seu trabalho algumas vezes, mas vamos combinar que essa sua reação é meio desproporcional. Você e o Fred foram chamados pelo diretor para esclarecer esse episódio. Nunca shippou pessoas?
- Shippar pessoas numa circunstância como essa é bem questionável, não acha? Além do mais, não só quis tirar sarro da confusão, como também zombou da situação do meu relacionamento que você sabe muito qual - seu tom ficou choroso.
- Alto lá! - disse Carrie, finalmente abandonando a pacificidade ao levantar-se - Em primeiro lugar, não faço ideia dos problemas amorosos que você anda enfrentando. E em segundo lugar, é verdade, zoei com a briguinha de você e do Fred. E qual dia mais oportuno pra sacanear senão o dia dos namorados?
Eileen precisou engolir seu orgulho naquele momento, porém não transpareceu dar o braço a torcer.
- Sua ignorância não te faz inocente. Eu tô vivendo um drama seríssimo com meu namorado e isso foi um golpe muito baixo. Como se sentiria se armassem coisa parecida com você e o Frank? Adora shippar os outros, mas você e ele não pode né?
- Eileen, larga a mão de ser dramática e assume que isso foi apenas uma inofensiva brincadeira pros três lados se divertirem. Acha que se eu soubesse do que você passa com o namorado, eu teria escrito a carta? Seja lá o que for, não tenho a menor a ideia e não tem obrigação de me contar. - disse Carrie, o rosto sério inclinado para a legista - E olha só, meu café esfriou, graças ao seu piti histérico, vou ter que gastar uns trocados na cafeteria. - andou até a porta, saindo da sala.
Um porta-retrato na mesa de Carrie chamou a atenção da legista de cabelos loiros ondulados presos com prendedor bico de pato. Na foto estava registrado um momento de descontração entre os ex-colegas de trabalho, mostrando uma rara ocasião de Frank rindo bastante ao lado de Carrie que pelo visto se contagiava com o sorriso largo tão pouco frequente do amigo.
A legista sorriu de canto olhando a fotografia, tendo um lampejo.
***
Chegando em seu apartamento, Eileen foi direto ao seu notebook sobre a mesa fazer uma pesquisa que não tomaria muito de seu tempo antes do horário de visita começar no hospital onde seu namorado se encontrava internado. Digitou na caixa de busca "como invocar um cupido". Dentre vários resultados acessados, achou um que seria sua esperança restante.
O site mostrava a publicação sobre um ritual invocatório para o anjo dos enamorados, mas continha um bônus: um feitiço de barganha com o invocador para que o Cupido realize um desejo, como por exemplo salvar uma vida em estado terminal, fazendo duas pessoas se apaixonarem perdidamente e à medida que o amor entre elas aumenta, a pessoa moribunda tem sua expectativa de vida renovada. Meio que para se certificar, Eileen pesquisou se cupidos são reais, mas se achou boba por não assumir que a internet não provinha respostas para todas as perguntas. Ainda assim, não custava arriscar um teste.
- Tá no papo. - disse ela olhando empolgada para a tela.
Visitou o namorado, Rogger, entrando no quarto de hospital, logo sentando-se na cama bem ao lado do parceiro que sofria de uma doença cardiovascular aparentemente incurável que reduzia seus batimentos aos poucos.
- Se estiver me ouvindo... - disse Eileen, tristonha - ... só quero falar que as coisas voltarão a ser como antes, Rogger, você sabe que nunca fugi de promessas. O nosso amor vencerá. - segurou forte na mão dele, derramando uma lágrima.
***
Era quase tarde da noite quando Carrie saía do prédio do DPDC e avistava Frank à alguns metros. Acenou para o detetive com a mão direita erguida para o alto, apressando o passo. Frank segurava a chave do seu carro enquanto andava.
- Cuidado com essa bolsa chamativa aí. - disse Frank, apontando para a bolsa de couro preto da assistente - Deve ter tanta coisa aí dentro que mal daria pra achar o spray de pimenta na hora do assalto.
- Muito maduro fazer piada com bolsas femininas e as inúmeras coisas que se pode encontrar nelas. - retrucou Carrie, ironizando o gracejo - E é por falta de spray pra borrifar num meliante qualquer que resolvi chamar meu guarda-costas.
- Não vai se acostumando toda vez que a bateria do seu carro der piripaque. - disse Frank, pondo-se ao lado dela para acompanha-la até seu carro - Talvez eu comece a trabalhar pra aplicativo de condução, daí posso ser bem recompensado.
- Largaria a ADP só pra me dar caronas? Para de gracinha, meu carro não ficará pra sempre na oficina e você não terá razão pra deixar o seu à quilômetros do DPDC pelo resto da vida. Ainda voltaremos a compartilhar do estacionamento, vai ver só.
- Esse otimismo não tá muito lúcido pro meu gosto. - disse Frank, o tom de lamento.
- Mudando de assunto... Eu cometi o maior vacilo hoje com a Eileen, a legista. Escrevi uma cartinha de amor especial de dia dos namorados no nome do Fred e mandei pra ela que veio até mim furiosa tirar satisfação. Acho que você não sabe do problema que ela e o namorado sofriam ou sofrem até hoje pra ela não ter levado na esportiva.
- Segundo o que ouvi no ano passado, se bem me lembro, ela pediu um aumento ao diretor para pagar o tratamento de uma pessoa por quem ela tinha imensa consideração. Sem dúvidas é o namorado que tá encarando uma doença da pesada, por isso ela ficou irritada com essa sua pegadinha, deve ter pensado que você sabia e aprontou por maldade.
- Foi o que tentei esclarecer, mas ela é cabeça dura e inflexível, não vai me perdoar jamais. Por falar em dia dos namorados... - Carrie o olhou de soslaio - ... nós bem que podíamos aproveitar antes que amanheça.
- Carrie, o que você tá querendo insinuar com isso? - indagou Frank, suspeitando tensamente.
- Relaxa aí, não é o que tá pensando, embora pareça, mas... Acredito que nossas vidas carecem de uma relação afetuosa num sentido... romântico. Eu sei que você despreza esse dia. Só queria uma nova chance depois do desastre com o Mark...
- Isso não tá ajudando a me fazer relaxar. - disse Frank, encabulando.
- Sugiro que finjamos ser um casal por hoje. Vai dizer que nunca se imaginou com uma parceira, nem com uma vadia barata?
- Opa, me respeita que sou homem decente hein. - disse Frank de um jeito nada sério - Olha, é complicado falar disso...
- Deixa de frescura, vem cá. - disse Carrie, seu braço esquerdo envolvendo o direito de Frank como se estivessem caminhando rumo a um altar de casamento - Posso te dar uma primeira vez leve e diferente. Um pequeno experimento.
O detetive corou, sentindo-se desconcertado com a atitude da assistente. O que eles mal sabiam é que havia um indivíduo perigoso á espreita os perseguindo. O homem todo trajado de preto e encapuzado segurava um arco e sorrateiramente seguia os "pombinhos". Parou encostando-se num poste e ergueu o arco, logo puxando a flecha, ou criando-a, que tinha uma forma de energia na cor vermelha. Disparou a flecha energética mirando primeiro em Carrie que a sentiu nas costas e teve seus arregalados olhos brilhando vermelho piscante.
- Frank, o que estamos esperando? - perguntou ela, virando-se de repente para ele - Me leva pra sua casa. O carro ainda tá muito longe? Eu não consigo... me conter, me bateu uma ansiedade louca, eu não quero adiar pra amanhã.
- O quê?! Carrie, para com isso, tá apertando os meus braços. Isso não tem graça, a gente tá apenas fingindo...
O arqueiro esperto mirou em Frank, indo se esconder num ponto mais escuro para disparar a flecha não-orgânica. Frank sentiu um impacto nas costas e rapidamente correspondeu aos anseios de Carrie.
- Tudo o que você quiser. - disse ele, sorrindo apaixonado - Te levo pra minha casa, depois decidimos.
- A nossa casa.
- É isso aí. - concordou Frank. Ambos deram um beijo intenso. O Cupido observava nas sombras o seu êxito
***
Pelas frestas na janela do quarto de Frank, os fachos de luz solar atravessavam, clareando alguns pontos do quarto, o que fez despertar Carrie primeiro. A assistente, apenas de sutiã, levantou e espreguiçou com um sorriso fechado, mas largo o bastante para indicar toda a alegria que vivenciou. Frank acordava aos poucos, movendo-se devagar, seu corpo vestido somente com as roupas de baixo sob as cobertas desarrumadas. Carrie virou-se para o "namorado" e o cutucou suavemente.
- Café da manhã na cama. - disse ela, sussurrando. O detetive levantou-se depressa, procurando, mas tudo o que ouviu foi a risada da companheira.
- Ah, isso é golpe muito baixo... mas não tem como ficar bravo com você.
- Nem eu com você. - disse ela, dando um beijinho na bochecha. Porém, Frank foi logo tascando um beijo direto na boca dela - Eu nunca soube do quão desonesta fui comigo esse tempo todo. Reprimir esses sentimentos foi o pior erro que já cometi.
- E foram precisos 6 anos e um dia dos namorados pra gente cair na real e assumir de vez. Por mim eu continuaria te beijando aqui pelo resto da manhã ou o dia inteiro, nem sairia dessa cama pra fazer qualquer outra coisa.
- Eu também adoraria, mas temos empregos a manter e uma vida a dois para construir... - Carrie pensou um pouco acerca daquilo - Tá, a parte do emprego podemos deixar no escanteio por ora. Que tal priorizarmos nossa relação hoje?
- No que você pensar em fazer, não vou contestar. - disse Frank.
- Hum... Estive pensando em termos um animalzinho de estimação. Cão ou gato?
- Tanto faz. Mas se for pra manter nossa casa segura, uma raça canina das boas serve.
- Mas no pet shop só vendem filhotes. Vamos pra lá juntos né? Você pode escolher o nome pra ele ou ela.
- Então fechou. Matamos o trabalho e tiramos um dia completo pra se esbaldar até dizer chega.
O celular de Carrie começou a tocar e estava na bolsa largada no chão. Ela saiu da cama para pega-lo.
- Essa não, o diretor. É pra dar bronca por atraso, certeza absoluta. Já passam das oito.
- Desliga. Ninguém vai estragar nosso dia perfeito. Ou melhor, o primeiro dos dias perfeitos que vou aproveitar com você e o pequeno totó. - disse Frank, abraçando-a por trás. Carrie ignorou a chamada insistente, apertando no vermelho.
No DPDC, Fred entrara na sala de Ernest após bater e receber consentimento.
- Faz uma hora e meia que a Carre devia ter chegado. O que foi? Ficou doente? Pegou trânsito engarrafado?
- Acabei de ligar pra ela e simplesmente desligou. - reclamou Ernest, raivoso - Ela nunca foi de recusar uma chamada minha, tampouco fazer corpo mole. Será que você não comentou com ela sobre revelar que foi ideia dela invadir o necrotério?
- Eu nem toquei nesse assunto. É bem estranho que ela falte assim, ainda mais não querendo atender ligação. Tentou entrar em contato com o Frank? Ela disse que pegaria carona com ele ontem à noite, mas não disse porquê.
- Frank também, todos os celulares e o fixo, nada. Você sabe que o carro dela está nos reparos né?
- Não sabia, por isso achei que ela estivesse presa num congestionamento. À essa hora é comum, vai que ela pegou um táxi.
- Ao invés de especular motivos, o melhor que você pode fazer por mim agora é indo na casa dela.
- S-sim, tudo bem, não tem outro jeito mesmo. Ah, a propósito, a Eileen... ela também não veio.
- O quê? O turno dela inicia às cinco, bem que estranhei sentir uma ausência... O que tá havendo? Que dia mais atípico...
Fred ficou meio pensativo, tomando seriedade com o clima suspeito que ele sabia não se explicar por coincidências. "Eileen e Carrie faltaram no mesmo dia... Carrie não atende ligações e nem Frank... Não tem nada a ver com aquilo.", pensou ele.
Não levou muito tempo para chegar ao destino, cortando alguns caminhos para economizar gasolina. Bateu na porta da casa de Frank pois somente ele poderia dar o endereço da casa de Carrie pois Ernest, abarrotado de trabalho, acabou esquecendo ou pensava que o agente especial saberia.
Para sua surpresa foi Carrie quem atendera.
- Oi Fred, você por aqui?! Não veio bancar o porta-voz do diretor né?
- Tirou as palavras da minha boca. Você por aqui? - questionou ele, franzindo o cenho.
- Que pena, quase íamos falar ao mesmo tempo. O Frank deixa você entrar, vem cá.
- Fixa na mente, amor, que suas decisões são também minhas e vice-versa. - disse Frank, brincando com o filhote de cachorro, um Rottweiler, jogando a bolinha para ele pegar.
- Amor?! - disse Fred, intrigado com a fala de Frank - Chamou ela de... amor? Me digam que isso é brincadeira...
- É mais sério do que pensa. - disse Carrie, feliz, sentando-se no sofá - Estamos dando passos mais largos no nosso relacionamento. O primeiro beijo, a primeira noite na cama, o primeiro cãozinho, oh que fofo, Frank o nomeou de Marley.
Fred balançou a cabeça negativamente com os olhos fechados, considerando aquilo absurdo.
- Carrie, você se atrasou pro trabalho como nunca antes na sua carreira profissional e Frank devia estar na ADP neste momento, era pra estarem nas suas rotinas e não brincando com um cachorrinho enquanto pensam que estão dentro de uma comédia romântica sem furos no roteiro. Vocês estão desconexos da realidade, alguma coisa anormal ocorreu pra que assumissem esse romance... improvável.
- Improvável? Na sua cabeça. - disse Frank - Temos planos muito bem traçados. Mostra pra ele, amor.
Carrie retirou do seu vestido um papel branco com desenhos e o entregou à Fred.
- O que é isso? - perguntou ele.
- Uma versão prévia que eu mesma fiz do nosso convite de casamento.
A declaração quase entalou a saliva na garganta de Fred.
- Estão mesmo falando sério? Da noite pro dia são namorados e já vão pular pro casamento?! Palhaçada. - amassou o papel.
- Era apenas uma amostra, podemos te enviar o convite oficial hoje à noite quando a gráfica tiver prontificado tudinho. - disse Carrie com uma felicidade exagerada - Queremos uma cerimônia meio discreta por fora, mas deslumbrante por dentro.
A reação de Fred não se decidia entre o assombro ou a incredulidade total. Percebeu o cachorrinho lambendo sua bota.
***
Departamento Policial de Danverous City
Eileen cruzava um corredor com seu jaleco branco, expressando uma postura confiante e despreocupada que atraiu os olhares desconfiados de Fred que teve a sorte de encontra-la após retornar da casa de Frank. Mas o detetive não a chamou ficando entre um corredor e outro ao lado observando-a dobrar como se fosse uma modelo desfilando numa passarela.
- Estou perplexo! - disse Ernest aparecendo bem atras de Fred o assustando.
- O senhor costumava a chegar de fininho por trás do Frank ou da Carrie pra quase mata-los de susto?
- Temos algo mais importante a discutir. Acabei de receber uma mensagem da Carrie anunciando... - ele mal se via capaz de falar de tão inacreditável - ... o seu casamento... com o Frank. Você foi na casa daquela prevaricadora como pedi, certo?
- Na verdade eu fui até a casa do Frank porque o senhor esqueceu de me passar o endereço da Carrie.
- Oh droga. - disse Ernest, chateado consigo mesmo - Mil desculpas, Fred, o estresse sabotou meu bom senso.
- Entendo. - disse Fred, compreensivo - A Carrie tá na casa do Frank, praticamente morando lá, haja vista que agora viraram um casal de namorados loucamente apaixonados um pelo outro achando que vivem um filme de romance água com açúcar.
- No meu ver, está mais pra conto de fadas, mas estão iludidos se acham que terão um "felizes para sempre".
- Há quanto tempo a Eileen chegou? Vi ela passando por aqui e, cá entre nós, ela me pareceu um tanto eufórica, é meio incomum vê-la andando de um jeito que não dá a impressão de que ela tem problemas pra resolver em casa. Uma felicidade autêntica, uma autoconfiança muito segura, até mesmo pra ela que quase sempre dá bom dia com cara de poucos amigos.
- Você deve ser bom pra analisar sinais corporais e de expressão. Eileen carrega um fardo pessoal que ela me confidenciou um dia. O namorado dela foi acometido por uma doença rara do coração, uma infecção progressiva que o prendeu numa cama de hospital e não há doadores de órgãos disponíveis. Se a situação não mudou, que sentido faz ela estar feliz?
- Ontem foi dia dos namorados. A Carrie me disse ter feito uma pegadinha com ela mandando uma carta de amor com meu nome. A Eileen pensou que Carrie sabia da condição do namorado dela e fez aquilo como provocação, levando em conta a nossa picuinha por causa da minha invasão. - disse Fred, ligando os pontos - Tudo começa a se encaixar... peça por peça...
- Frank e Carrie num transe romântico às vésperas de um casamento apressado... - complementou Ernest, acompanhando o raciocínio do detetive - Uma ideia: Hoje à noite investigue o apartamento da Eileen, veja se encontra um altar de sortilégio.
- Acha que ela anda mexendo com feitiçaria? Pra quê? Se vingar da Carrie fazendo-a se apaixonar pelo Frank?
- Lembro muito bem de como a Carrie adorava ouvir minhas piadas sobre eles formarem um ótimo casal.
- Ah, entendi... Está bem. Dessa vez ela não pode reclamar de uma invasão a espaço privado. - afirmou Fred, assentindo.
***
O turno da noite de Eileen ainda ocorria, para tanto Fred acessara o apartamento onde ela morava, mais precisamente no terceiro andar. Não se incomodou com a precariedade de luz no interior do condomínio e foi rápido para destrancar a porta com o velho truque do grampo. Entrou andando cautelosamente, vasculhando a sala que estaria totalmente às escuras se não fosse pela luz da lua. Sacou o medidor EMF e prosseguiu. A leitura se acentuava próximo do sofá.
Fred ora visualizava os tracinhos vermelhos do medidor ora relanceava o móvel. De repente, para a total surpresa do detetive, um homem encapuzado portando um arco saíra de trás do sofá correndo para a porta. Mas Fred agira rápido ao pega-lo pelo ombro e vira-lo para dar-lhe um soco. O cupido caiu ao chão, mas levantou-se de imediato em posição acuada.
- Fica bem aí, se mover um dedo eu atiro! - disse Fred, apontando uma arma.
- Mesmo que tente, não pode me ferir. - retrucou o arqueiro do amor, seu rosto bem ocultado pelo capuz negro.
- Ah é? Tô curioso pra saber porquê. - disse Fred que logo reparou no arco - Leva um arco, mas sem uma aljava e as flechas?
- Eu sei a razão pela qual veio, por isso me escondi ao ouvir seus passos, estou esperando por ela.
- Então você é algum tipo de entidade... invocada pela Eileen pra realizar a vingança infantil dela. - disse Fred, tomando proximidade para ameaçar um disparo.
- Minhas ações só beneficiam aqueles que agem movidos pelo amor. Nunca em prol de vingança. - argumentou o cupido - Está errado sobre mim e sobre ela, eu jamais barganharia com pessoas de almas tão pequenas.
- Revele sua identidade e talvez eu seja bonzinho. Acredite, não gostaria de ver como fico irritado.
O cupido precisou desfazer-se da postura pacífica inerente ao imobilizar a mão que segurava a arma para dar uma cotovelada em Fred que acidentalmente disparou contra um vaso. O movimento deu a chance dele escapar pulando pela janela. O detetive correu para ver se o encontrava correndo, mas não viu nada abaixo além do beco molhado.
***
A cerimônia começava no horário marcado, às 10 horas em ponto. Carrie, ao som da música temática, andava sorridente pelo tapete vermelho da igreja ocupada por um número modesto de convidados que eram pessoas residentes do bairro onde a assistente vivia. Frank a esperava retribuindo com um sorriso tão empolgado quanto o dela. Enquanto isso, no DPDC, Fred procurava pelo diretor na sala particular dele, não o achando. Para sua sorte, Eileen passava por ele ignorando-o. A legista sentiu seu braço direito ser levemente puxado e lançou um olhar feroz contra o detetive.
- Não adianta inventar desculpas ou historinhas, tô sabendo do que aprontou pra cima do Frank e da Carrie. Mas acho que o cupido de estimação foi ingênuo demais aceitando esse negócio caindo na sua conversinha fajuta. Não era amor, era cilada.
- Eu iria até as últimas consequências pra isso, nada mais me importa. - disse ela, livrando seu braço - Não bastasse a invasão à minha sala, fez o mesmo na minha casa. Achou que eu não notaria a marca de bala no chão?
- Pois é, batemos um papo ontem, ele estava te esperando. Só fiquei numa dúvida: se cupidos são seres harmoniosos, amigáveis, inocentes, puros e amorosos, então porque ele revidou quando eu nem pensava atirar nele depois que ele recuou? Não foi apenas para escapar. Antes fosse, ele pularia pela janela sem medo de ser baleado.
- .Por que não pergunta à ele? Mas creio que não será possível. O tempo tá quase esgotando.
- Tempo pra quê?
- Frank e Carrie, à essa altura, provavelmente devem estar recebendo chuva de arroz saindo da igreja. Imagino que foi convidado. Que desfeita com os amigos, Fred. Em compensação, eu também ganho. O coração do Rogger voltou a bater normalmente. - disse Eileen, debochadamente. Perdendo a paciência, Fred a puxou para dentro do banheiro em frente à sala de Ernest - Me larga! O que vai fazer, seu invasor de privacidade? Não tinha nada que se meter no que não foi chamado!
- E negar meu dever como detetive? Deixar isso passar batido seria muita idiotice da minha parte. - disse Fred, trancando a porta - Pra esclarecer, invadi seu apartamento sob ordem do diretor. Convergimos nossos pensamentos e somos praticamente parceiros nesse caso. Até porque não o encontrei na sala dele, pode ter ido à igreja estragar o casamento.
- Não... É mentira. Meu próprio chefe duvidando do meu caráter... - disse Eileen, aturdida.
Fred ligava para o diretor que prontamente atendeu.
- Alô, diretor, onde o senhor está agora? - perguntou Fred, pondo no viva-voz.
- À caminho da igreja, torcendo para interromper bem no meio daquela pergunta típica. - disse Ernest, rumo ao local da cerimônia, à poucos metros - E você?
- Voltei de casa faz um tempinho, pesquisei sobre o encapuzado que encontrei ontem à noite pra me certificar. É um deus romano que age em nome do amor, ou seja, o cupido, mas sem cachinhos dourados, carinha de bebê e fraldas.
- Então não é nada parecido com os mitos. A Eileen que se cuide. Se a achar, mande o recado.
- OK. - disse Fred, logo desligando - Dificilmente vai me convencer de que fez pela vida do seu namorado.
- Mas foi! Juro pelo que é mais sagrado. Só usei o Frank e a Carrie para o feitiço de barganha unicamente a favor do Rogger, não por meu benefício pra me vingar da Carrie e a malandragem dela de falsear uma declaração de amor de você à mim.
- O que acontece depois que eles se casarem?
- Eu sinto muito pelo que vou dizer agora... Mas eles vão morrer. Literalmente morrer de tanto amor.
Na igreja, o padre se surpreendia com o pedido de Frank para seguir direto à pergunta clássica.
- Muito bem como quiserem. - falou, hesitante - Para a união deste casal se alguém estiver contra... que fale agora ou cale-se para sempre!.
- Eu! - disse Ernest, ganhando as atenções. O diretor do DPDC entrava na igreja resoluto - Vocês dois aí... Não sei o que deu pra ficarem de namorico e pegação, subindo o nível de em hora em hora, perfeitinhos demais que me irritara, isso tem que acabar. As piadas que eu fazia de vocês darem um belo casal? Me arrependo delas.
- Diretor, convidamos o senhor pra comemorar nossa união e não pra desmantelar fazendo o papel de alguém do contra. - reclamou Frank, aborrecido.
- Padre, por favor, prossiga. - disse Carrie, fortemente se opondo ao chefe - Manifestar ser contra ao matrimônio compete somente aos presentes desde o início. Queremos pôr logo as alianças.
- Eu tô louco pra beijar ela quando isso acabar. - disse Frank, mal contendo-se.
No DPDC, Fred sacara uma arma apontando-a para Eileen que se viu rendida.
- Como desfaz a droga do feitiço? - perguntou ele aos berros.
- Matando o cupido. - disse Eileen, nervosa - Vamos pro depósito... Lá é o melhor lugar onde eu posso chama-lo.
Entrando no amplo depósito, Fred puxou a alavanca para acender as luzes fracas. Eileen concentrou-se para invocar o cupido, chamando-o em pensamentos. O anjo surgira num piscar de olhos.
- O que significa isso? Você e ele juntos? - perguntou, criando uma flecha de energia.
- Ah, então é assim que são suas flechas... - comentou Fred.
- Me desculpa. - disse Eileen, lacrimejando - Vou ter que desmanchar nosso trato.
Fred estralava seus dedos pronto para massacra-lo. O cupido se viu perdido e confuso. Devido à sua natureza de não-violência, acabou levando uns três socos pesados de Fred.
- Ué, cadê aquela valentia de ontem? Hein? Cadê? - perguntou Fred, parecendo fora de si, desferindo mais um soco que o derrubou - Cadê? - golpeou novamente - Duas vidas não valem nada comparada à uma? - o esmurrou mais vezes. Eileen se amedrontava a cada golpe, temerosa com a fúria de Fred - Anda, reage! O seu arco serve apenas pra suas travessuras? Mirou sua flecha em mim... Será que ela pode atravessar meu coração?
- A morte vem com o feitiço... Mas posso quebra-lo antes que eles cheguem ao ápice.
- Ei, espera! Se há uma alternativa sem precisar mata-lo, tem que deixa-lo livre. - disse Eileen.
Aparentando ignora-la, Fred levantou o capuz do cupido, descobrindo o rosto que sangrava de vários hematomas. O anjo tinha aparência de um rapaz branco com cabelo castanho bem curto, bochechas coradas, face meio redonda e expressão simpática. Eileen não teve coragem de ir até Fred para segura-lo e faze-lo parar com os socos ininterruptos.
- Ouça o que ele diz, por favor! - gritava Eileen, aos prantos, encostando na parede e deixando-se cair - Pára!
- Como posso confiar que vai consertar tudo depois do que fez com meus amigos? E se já for tarde? - questionava Fred, esbravejando, sem descansar seus punhos - Não são cheios de virtude e de pureza assim, né? Tem sempre que haver um preço! Você é igual a todos os monstros! Não liga pra vidas humanas!
- Eu revidei... - disse o cupido, cuspindo sangue - ... porque senti emanar de você uma aura perigosa. Uma energia obscura... de puro ódio. Você é a coisa temida pelos centuriões. Olhe pra sua mão... Seus ossos quebrariam se atacasse como humano. Mas você não é humano. Eu pensava que a maior prova viesse da aura, mas posso ver agora claramente... a aberração.
Fred olhou para seu punho direito cerrado, o qual crescera uns centímetros, a pele ganhando uma coloração levemente acinzentada. O último soco acertou diretamente no peito do cupido, transpassando-o. Eileen encolhia-se no canto, chorando.
Na igreja, Frank e Carrie pareciam despertar para o mundo real ao se entreolharem atemorizados.
- Ma-mas... O que é que tá acontecendo aqui? - perguntou Frank, estupefato - Eu tô casando com você?!
- Ai meu Deus... - disse Carrie, afligindo-se ao olhar para o público desorientado. A assistente correu para fora da igreja, esbarrando em Ernest que a acossou. Frank saiu em disparada logo atrás, deixando o padre e os convidados boquiabertos de espanto. Carrie parou perto de uma árvore para vomitar de tanto nervosismo.
- Você está bem? - perguntou Ernest, aproximando-se - Te antecipo que é uma história longa pra explicar.
- O senhor vai... nos explicar absolutamente tudo. - disse ela, num misto de raiva e desespero.
- Diretor! - chamou Frank, vindo ao encontro deles - Tô com a sensação de que tive um pesadelo, daí acordei. Sabe quando você sente que as coisas estranhas do sonho ainda continuam? Sou eu agora. Eu e a Carrie numa igreja casando?!
- Frank, na última noite de que lembro... conversávamos sobre termos parceiros afetivos e dei a ideia de fingirmos ser um casal no dia dos namorados. - disse Carrie - Alguma coisa bizarra ocorreu naquela hora e nos tornou um casal de verdade.
- Creiam ou não, vocês foram vítimas do cupido. - disse Ernest - O cupido de fato, não é metáfora.
- O cupido... Aquele anjinho com arco e flecha com ponta em formato de coração? Os anjos andam de turistas por aqui.
- Por que sinto que fala isso com uma convicção enorme ao invés de uma piada? - perguntou Carrie ao detetive.
- Outra hora te conto. Tenho que ir pra casa tirar esse smoking apertado... essa gravatinha borboleta... - afrouxou a gravata, tentando remove-la.
- Ainda não falei sobre a causa desse fenômeno. - disse Ernest - Sem a ajuda do Fred estariam ouvindo "viva aos noivos" e tendo uma noite de núpcias hoje mesmo. Tenho certeza que ele descobriu um modo de desencanta-los.
- Com quem ele descobriu? - perguntou Frank, curioso.
- Uma certa funcionária minha que receberá uma punição nada branda. - disse o diretor do DPDC, pensando em Eileen.
***
Departamento Policial de Danverous City
No dia seguinte, a primeira coisa que Fred planejou fazer ao início do expediente foi tentar dialogar com Eileen se desculpando pela morte bárbara que deu à uma criatura sobrenatural inofensiva.
- A porta está aberta, então aqui vai eu... - disse ele, adentrando no gabinete da legista... ou ex-legista já que arrumava suas coisas pondo-as numa caixa de papelão sobre a mesa - O diretor demitiu você? - indagou, surpreso - Eu posso recorrer com a superintendência, ele exagerou, não é justo com você que.... só quis salvar a vida de uma pessoa amada.
- Eu pedi demissão. - disparou Eileen, virando-se para ele com uma expressão azeda - E não quero conselhos seus depois do que fui testemunha. Ele podia quebrar o encanto com um estalar de dedos talvez. Bastava ter oferecido uma chance.
- Não confiei nele, além disso fiquei fora de controle, meus instintos foram mais fortes que a razão. Chamei ele de monstro, mas dei conta de que o monstro na verdade fui eu. Pelo menos, o Frank e a Carrie passam bem... meio traumatizados.
- Engraçado você ser caridoso comigo, querendo fazer as pazes como se uma tragédia não tivesse acontecido. Fui egoísta, tratei as vidas do Frank e da Carrie como meros recursos pro meu plano. Mas morrer de amor não seria uma morte feliz?
Eileen pegara sua caixa, dando passos para sair daquela sala que não lhe pertencia mais.
- Se eu puder fazer algo que prove meu arrependimento, faço com todo o prazer. Posso achar um doador pro seu namorado.
Porém, Eileen mantinha-se inflexível.
- Espera, por favor... - disse Fred, tocando-a.
- Fica longe de mim, seu psicopata. - acusou Eileen, afastando-o. Por fim, saíra do gabinete sem fechar a porta.
Pegando Fred desprevenido, Malvus aparecera na sala com sua altivez habitual.
- O que você tá fazendo aqui? - perguntou Fred, respondendo mal à presença do anjo caído, dando passos de recuo.
- Chegou o dia de você ser meu cão farejador. Temos um trabalho bem improrrogável a fazer.
-x-
*A imagem acima é propriedade de seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos.
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