Crítica - Irmão Urso
O caçador sentindo na pele o que é ser a caça.
AVISO: A crítica abaixo contém SPOILERS.
Na conferida depois de dez anos apenas com algumas cenas do primeiro ato guardadas na memória (graças à Sessão da Tarde =P), sobretudo no marcante momento da punição recaída sobre o protagonista, o artifício-chave para o andamento e significação da trama, eu preciso confessar meu mais profundo arrependimento de ter esnobado esse filme nas idas à locadora na época em que o DVD era tendência de ostentação. Salvo do meu desprezo injusto, Irmão Urso, sem dúvidas pra mim, virou um dos meus queridinhos de animações da Disney. No quesito popularidade, não pude evitar comparações com o clássico imbatível O Rei Leão durante a experiência completa assistindo a jornada de Kenai. Se a trama situada na era pós-glacial abarcasse um bom número de personagens tão carismáticos quanto os que cruzam o caminho de Simba, certamente seria o único aspecto bastante para equipara-los em qualidade, pois no enredo ambos carregam qualidades dignas de Oscar. De uma forma geral, o que quero dizer é que o longa de Kenai é um tanto subestimado pelo grande público. Sei que muitos "disneymaníacos" lembram dele com nostalgia carinhosa, mesmo que não seja com a mesma proporção atribuída à O Rei Leão, mas a parcela que não exalta a Disney como o zênite magnificente das animações, ao meu ver, parece despreza-lo, afinal vejo muito pouco falarem dele e a própria Disney sequer deu uma chance a história ser adicionada á sua safra de live-actions (o que é eufemismo para requentadas que se aproveitam do saudosismo dos fãs para faturar mais em cima disso - ops, acho que desmedi um pouco aí na sinceridade hehe).
Para minha infelicidade como espectador, Irmão Urso não conta com coadjuvantes tão adoráveis e cativantes nos teores cômicos, como claros exemplos temos a dupla de alces Rutt e Tuke, a exceção de Koda, um filhote que se perde da sua mãe e que estabelece uma divertida amizade com Kenai que é muito bem trabalhada, não ficando artificial e limitada no "paz e amor", pois mostra as instabilidades da relação (muito mais em decorrência do gênio forte de Kenai que de início rejeita a companhia do serelepe ursinho em razão de sua aversão aos bichos) ao longo da travessia em direção à montanha onde ele acredita que poderá voltar a ser humano. O grande trunfo dramático da animação é simplesmente esse castigo que a natureza - ou os Espíritos (explicação atrelada às auroras boreais pela civilização com suas cabeças primitivamente pensantes) - impõe sobre Kenai para que ele aceite seu animal totêmico, no caso o urso. A teimosia de Kenai acaba por custar a vida de Stika, seu irmão mais velho, durante um confronto com um urso que acaba sobrevivendo à queda na geleira. Para se redimir, Kenai deve aprender a respeitar a natureza dos ursos. E não tem lição mais completa do que transforma-lo em um para que cure esse ódio mortal. O longa se prossegue num misto agradável de leveza com comédia.
A ausência de um antagonista à parte do problema de Kenai se justifica pelo irmão do meio, Denahi, que não testemunhou o evento trágico, estar vivo para funcionar como um empecilho na sua ignorante e irônica cruzada para vingar o irmão sem saber que ele virou o urso que acha ter sido responsável pela morte dele. É a partir desse tremendo mal-entendido que a animação mostra seu espírito e a direção sabe muito bem para onde quer chegar, é uma história redonda e por ser assim garante satisfação genuína (mas a Disney, como sempre, dá um jeitinho de inventar segundos filmes desnecessários que ninguém pede - tipo Cinderela que recebeu mais dois filmes após o original), você sente a conclusão feliz dar aquele fechamento que impossibilita uma visão definitiva do que pode acontecer de importante para transcorrer numa sequência, o que viria depois desse "felizes para sempre" com Kenai sendo recebido de braços abertos pela sua tribo escolhendo permanecer como urso (se bem que o Denahi concordou muito fácil dizendo que gostava mais dele como urso, uma mudança meio brusca de opinião, mas vou dar um pequeno desconto porque ele presenciou uma manifestação sobrenatural chegando a ver o espírito do Stika, acho que isso colaborou). A evolução do Kenai se desenvolve bem até nos seus momentos tortuosos, seja se reconciliando com Koda na primeira desavença ou fugindo do grupo de ursos que povoam uma área pacata onde percebeu que foi tão acolhido que sentiu-se pertencente ao habitat, mas Koda acabou contando a história de como se perdeu da mãe que traz uma absurda coincidência. A mãe de Koda é o mesmo urso que os três irmãos enfrentavam na geleira (!) e que Kenai havia matado (!!). Toda a sensação de pertencimento caiu por terra e Kenai não viu outro modo a não ser fugir dali, a culpa o atormentou de uma maneira que ele pensou não ter direito de estar lá vivendo entre criaturas que passou tempos caçando e detestando. Mas o pior ainda estava por vir: contar a verdade à Koda. Esse ponto foi tocante pela reação do ursinho e a desilusão consequente. Os Espíritos interferem para que a história não se repita - com Denahi quase matando Kenai da mesma que ele fizera com o urso que empalou com sua lança e que deflagrou sua penitência - e Kenai passa no seu teste retornando à humanidade numa cena verdadeiramente mágica, tocante e memorável.
Considerações finais:
Irmão Urso entrega um drama envolvente regado a um misticismo que fisga a atenção com êxito máximo. A trama pode não conter personagens que turbinem a comédia, deixando tudo ao encargo de Koda, mas são elogiáveis muitas das características técnicas e narrativas que fazem dele uma obra emocionante e desmerecedora de injustiças e desdéns.
PS1: Me pergunto se os Espíritos intercederiam no momento em que Denahi estava prestes a matar o irmão com aquela faca caso Koda não estivesse por perto para impedi-lo. Valia tudo, menos matar o Koda, aí seria maltratar corações (T_T).
PS2: O título tem uma ambiguidade bacana. Kenai é, obviamente, o irmão urso de Denahi, mas também de Koda pelo vínculo que eles formam numa amizade que transparece bastante uma relação de irmão mais velho e irmão mais novo.
PS3: A cena pós-créditos é metalinguisticamente hilária. Claro, tinha que contar com o Koda.
NOTA: 9,0 - ÓTIMO
Veria de novo? Sim.
*A imagem acima é propriedade de seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos.
*Imagem retirada de: https://eternizandosuainfancia.wordpress.com/2014/11/26/irmao-urso/
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