Crítica - Verdade ou Desafio

Não se fazem mais demônios como antigamente.

AVISO: A crítica abaixo contém SPOILERS.

Quem diria que chegaria o dia em que um desses jogos realizados entre amigos sem necessidade de tabuleiros ou dados viria a se tornar material para produzir um longa-metragem de terror né? Dos mais famosinhos que conheço (como por exemplo, o Eu Nunca), Verdade ou Desafio era o único que se manteve enterrado bem fundo na minha memória, mas não lembro de como ouvi falar dele (o conheci por Verdade ou Consequência, por um momento até pensei que estava errado, só que não, é um nome alternativo). A ideia de sobrenaturalizar a parada não é teoricamente equivocada. O que determina o valor criativo da ideia, no fim das contas, é sua execução. O filme de Jeff Wadlow salda-se como um exemplar nitidamente negativo da técnica envolvendo o trabalho de narrativa para tornar a premissa tão interessante na prática (moldagem final) quanto aparenta ser na teoria (rascunho). Um bando de universitários que não dispensa uma farra viaja para o México em busca de espairecer, o que pra eles inclui festa de arromba com muita bebedeira e pegação. Olivia, uma youtuber, conhece um estranho, Carter, na tal festa e o mesmo atrai ela e seus 6 amigos a um local desocupado e não lá muito convidativo para passar um tempinho e no meio da "celebração" resolvem jogar o jogo que dá título ao longa.

Obviamente que o negócio dá ruim e Carter faz a terrível revelação de que meteu Olivia e sua turma num jogo mortífero que marcou suas vidas como alvos (bastante enquadráveis no que propõe o jogo em si) de um demônio que não descansará até que todos os jogadores estejam mortinhos. As regras são bem claras: Diga a verdade ou morra, faça o desafio ou morra e se quiser sair do jogo também morre. Mas a facilidade de entendimento cessa aí, pois numa piscada ou distração de poucos segundos e informações cruciais podem escapar, coisa que a condução de enredo até induz, logo você precisa ser forte e dedicar total atenção, portanto bocejar ou dar uma olhadinha no Insta é praticamente proibido (o que não deixa de ser relativo, claro). O demônio chamado Calux (parece nome de marca de perfume =P) manifesta-se pela possessão, tal qual entidades assim normalmente fazem, em pessoas próximas (no sentido de distância ou afinidade) para fazer a grande pergunta fatal. O filme não foi muito feliz no gasto com efeitos especiais porque todos os possuídos parecem terem saído de uma cirurgia plástica mal-feita (tem seu ar macabro, devo admitir, eu não estaria nada tranquilo com alguém sorrindo assim).

Eu, particularmente, acho um jogo sem-graça demais para transformar numa tragédia generalizada abordada a um filme de direção morna. Tantos métodos de provocar um caos arrasador pelo mundo e o demônio fica dando bola pra um joguinho besta desses. Cada jogador vai morrendo (nas suas respectivas diferenças de testemunhar) de acordo com a ordem que responderam, no melhor estilo "Premonição". Contudo, na franquia que originou 5 filmes a morte catava uma à uma as pessoas conectadas à fatalidade inevitável e sobreviventes à ela (eu assisti somente o primeiro e o segundo, não faço ideia do que sofreu alteração do terceiro ao quinto), sendo nada mais que um ciclo de fechamento certo. Em Verdade ou Desafio a distinção se dá pelo irremediável destino dos personagens, o ciclo é definitivamente infinito. Nem com a solução dada pela mulher que invocou Calux (um sacrifício, recitamento de feitiço e aquele pote lá), que consiste num ritual para desfazer o jogo, foi possível salvar as vidas de Olivia, Markie e Lucas (os três últimos do grupo que sobraram), afinal o demônio abalaria qualquer esperança de sucesso dado o seu poder. Aliás, ele está pouco se lixando para as regras, querendo mais é assistir a desgraça comer solta pra ferrar com as vidas das suas vítimas. Fica à margem de discussão a atitude (egoísta, no meu ver) de Olivia ao desfecho que trolla cretinamente fazendo achar que ela incentivaria seus seguidores a não jogar.

Considerações finais:

A verdade é que o longa se precipita na intenção de atribuir uma lógica que o permita um tratamento sério na visão do espectador criando uma solução mágica que de nada serviu e o desafio é assisti-lo até o fim lutando contra a vontade de olhar para algum canto e perder detalhes. Se fosse historinha, Verdade ou Desafio acabaria com "E todo mundo morreu".

PS1: Não todos, os surdos se safariam (a menos que algum fosse pego por alguém versado em libras).

PS2: O que você escolheria? Passar o jogo para seus "amigos" via internet e sobreviver ou morrer para salvar milhões?

PS3: A história do demônio feio:

Era uma vez um demônio feio... ele era tão feio que todo mundo morreu.

PS4: Em relação ao suspense (não dá pra chamar de terror), é sumamente escasso, apenas indicando traço de bom funcionamento na cena de Olivia antes de ser atacada pelo recolhedor de lixo possuído por Calux.

PS5: A pulga atrás da orelha é Calux ser um demônio e a incerteza de estar mentindo sobre o jogo nunca ter fim. No meu entender, falou a verdade, Sam (nome real do Carter) era o único na obrigação da finalizar o jogo cortando sua língua.

PS6: Qual o próximo jogo a receber filme e ninguém mais brincar? Jogo da garrafa? Eu Nunca? Pedra, papel ou tesoura?

PS7: Estar bêbado no Verdade ou Desafio é uma imprescindível vantagem para quem escolher falar uma verdade, dependendo do nível de álcool no sangue. Aliás, a bebida alcoólica precisa fazer parte, pois é difícil alguém sóbrio falar verdades pesadas e ainda pagar mico no desafio.

PS8: Esse vai pra lista dos que mais destroem amizades ao lado do Uno? Pensando bem, talvez seja o aviso que o filme queira transmitir, vejam aí que belo serviço de conscientização contradizente à babaquice da Olivia no final.

NOTA: 6,0 - REGULAR

Veria de novo? Provavelmente não. 

*A imagem acima é propriedade de seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos. 

*Imagem retirada de: https://diariodaaninhacarvalho.com/filme-verdade-ou-desafio/