Capuz Vermelho #73: "Esperança Que Não Morre"


Hospital Geral de Amesbury

O despertar de Pandora naquela cama pouco confortável se dava lento e cansado. Ajustando melhor sua visão ao ambiente, a semideusa foi acometida por uma aflição brusca que foi o gatilho para que ela saísse depressa da cama para ir embora dali imediatamente. O que a parou, contudo, foi uma aguda dor na barriga e levantou a camisola para conferir pois lembrou que sofreu um grave ferimento causado por Soberba no instante que o matara. Viu, com desânimo, um corte suturado no abdômen, claramente feito há poucas horas. "Pra um hospital que foi palco de suicídios, as coisas voltaram ao normal rápido demais", pensou ela, ficando sentada e pensando no seu confronto com o último principado.

Rosie, para sua total surpresa positiva, apareceu para uma visita.

- Acabou de passar por uma cirurgia delicada. Tem certeza de que quer desobedecer as ordens médicas?

- Rosie... Ah sim, eu não preciso perguntar porque está aqui fazendo uma visitinha. Mas sem flores?

- Aí você tá forçando. - disse ela com um sorriso bem-humorado - Embora eu tenha vindo pra confessar que... aquele ressentimento desapareceu. Quando você enfrentava o demônio da soberba, eu já tinha feito o Ganância virar pó e depois que senti minha alma restaurada... eu sabia que havia sido graças à você. Isso me ajudou a esmorecer o Belphegor.

- Repete pra mim, acho que não ouvi bem. Enfrentou Belphegor e ainda o intimidou?! E o Hector?

- Ele ficou só assistindo, apavorado com a possibilidade da energia divina me matar porque eu queria encher aquele demônio maldito de sopapos pra faze-lo sangrar até a morte, mas estava sendo teimosa, apesar de saber que ele tinha razão. Se você não tivesse encontrado Soberba e o matado, provavelmente Hector e eu teríamos morrido ou eu morreria como fênix apoteótica faltando um pedacinho da minha alma. Por isso, eu... - mostrou-se encabulada - ... quero agradece-la. Obrigada.

O brilho nos olhos de Pandora transparecia pura emoção, mas contida.

- Não vou confundir as coisas achando que é um perdão pelo erro que cometi com o Hector.

- Pra quê comparar as consequências de um erro e um acerto? Eu prefiro assumir que sua boa atitude teve muito mais importância do que ter abandonado o Hector nas mãos da Caosfera escolhendo a si mesma.

- Foi isso que mudou sua opinião. Não exatamente a reconstituição da sua alma. - disse Pandora, estreitando os olhos.

- Tá querendo dizer que com ou sem alma completa eu não te desculparia e retiraria as coisas horríveis que falei?

- Caso eu não tivesse a chance de matar Soberba, não. Rosie, você é dotada de um bom coração, mas durante esse tempo que passamos vivendo sob o mesmo teto, percebi sua dificuldade de perdoar. A sua alma recomposta não alterou essa sua conduta, eu sim, pelo menos nesse caso. Mas perdoar não é igual a esquecer. E quer saber? Nem significa tanto. Abrir aquela caixa e corromper o mundo inteiro é razão boa o bastante pra que eu mereça todo o ódio.

- E daí? Os deuses também erram e você errou como uma mortal, porque é assim que nós somos... O desconhecido nos atrai e o arrependimento vem sempre tarde quando fazemos uma besteira pra nos atormentar pelo resto da vida.

- Palavras bonitas. Só que vou me odiar pra sempre por isso. Nada me absolve. Eu já tentei. Mas trouxe mais dor. - disse Pandora, lembrando da última vez que viajou ao passado com o Espiral - Olha, prometo contar tudo que escondi diante de todos depois que eu sair daqui. Pra adiantar, tenho que falar sobre minha maior criação de itens místicos.

- Eu sei, a espada. Belphegor mencionou que você forjou uma espada que é a única arma que pode aniquilar com e nos desafiou a encontra-la até o dia da eleição. Está no seu cofre né?

- Rosie, acha que se eu soubesse eu não teria acessado meu cofre desde muito antes de Belphegor chegar? Alguns magos conjuraram um feitiço tão poderoso que rompeu minha proteção mágica e com o cofre vulnerável, com eles podendo incendiar ou explodir tudo, roubaram apenas a espada... a Arkanon. E alguém de alma pura pode empunha-la para que o feitiço nela se efetive. Esse alguém é você, portanto te entrego essa responsabilidade, eu sei que não vai decepcionar.

- Tá apostando na minha energia divina? Ou não vou precisar me transformar pra fatia-lo?

- O controle absoluto do manejo da Arkanon, no seu caso, tem que ser obtido controlando seu poder divino para compartilha-lo com a espada. Sem esse processo, os feitiços que eu talhei nela são inúteis.

- Mas você realmente não faz a menor ideia de onde a Caosfera escondeu?

- A localização tá na mensagem do Derek. O Sr. Gerbaldan, um mago do caos aposentado que renunciou à sua magia, decifrou o resto que se referia à Arkanon. Lembra que eram dois códigos diferentes? Pois é, a primeira mensagem diz sobre o local e a segunda revela o que está lá.

- E cadê essa espada? - perguntou Rosie, mal aguentando-se de curiosidade.

- No cemitério dos magos. - respondeu Pandora - Atrás da primeira tumba ou dentro dela.

- Foi nesse lugar em que eu, Hector e o Derek lutamos contra um bando de demônios liderados por um Íncubo pra fechar uma porta pro Tártaro. - disse Rosie - Aliás, abaixo dele. Bem, amanhã mesmo planejo a viagem com o Hector.

- É esse o seu destino, Rosie. - disse a semideusa, categórica - Eu fui aquela que começou. Você será a que vai terminar.

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CAPÍTULO 73; ESPERANÇA QUE NÃO MORRE

Cinco dias depois

Passados os três dias, antes da votação entre os seis candidatos que culminou num empate entre Ephram e seu principal adversário, Ronan Whustler, levando a disputa a um segundo turno, a véspera do embate final estava sendo um aquecimento proveitoso para eleitores de ambos os políticos. Ephram e Ronan foram convidados a uma entrevista numa rádio britânica, além de realizarem um debate com suas propostas e visões de campanha e gestão. Adam ouvia o programa sentado no sofá com atenção apurada. Mas ele captou algo extremamente curioso no discurso de Ephram... O que sabia ser bastante familiar.

Hector chegava na sala e a expressão do amigo lhe chamou a atenção.

- Se não me falha a memória... Ele disse essa última frase no mesmo programa de três dias atrás. Agora está repetindo o que falou, é exatamente o mesmo discurso, nenhuma palavra diferente... Até agora há pouco ouvia o locutor.

- Belphegor aceitou um debate na rádio?! Essa mudança de ideia com certeza não guarda uma boa motivação. - disse Hector.

- Boas motivações? Desse cara? Tem alguma coisa muito errada aqui, não é a mesma transmissão.

- Quis dizer que o propósito dele não é apenas o de fortalecer seu eleitorado se sobressaindo ao adversário. - disse o caçador, aproximando-se - Pra ter que voltar atrás em não participar de debates, ele quer mesmo é tentar um plano escuso.

- O que ele faria de ruim numa estação de rádio a não ser manter a pose de humano com as mais boas intenções do mundo?

- Dele podemos esperar qualquer ação ardilosa e imprevisível, ou seja, com o segundo turno chegando, ele se torna mais perigoso. A transmissão mudou de repente, certo? No quê mais está diferente?

- O ritmo da voz... No debate estava mais lento e nessa transmissão está mais rápido, parece que interromperam a entrevista ao vivo pra repetir uma que ele fez pra um jornal no mesmo dia que você e Rosie foram à Amesbury. Não tô gostando nada disso... - Adam desligou o rádio, se pondo a pensar no que pode ter ocorrido com os cotovelos apoiados nas coxas e esfregando levemente as mãos - Aquele demônio desgraçado aprontou uma das suas, se eu pudesse ir até essa emissora...

- Investigar nessa altura pode ser tarde, não descarto a hipótese dele ter matado Whustler ou mais gente lá.

Rosie chegara voltando de mais uma visita à Pandora no hospital.

- Não me olha assim, o seu carro tá bem ali, intacto e sem nenhum arranhão. - disse ela se prevenindo de uma reclamação de Hector - De início pensei em passar a noite com ela, mas ia demorar horrores e não tenho dinheiro sobrando pra muitas conduções de ida e volta. Também não iria pedir emprestado, nem mesmo o carro, sei que eu tomaria um belo "não".

- Saindo escondida desse jeito nos deixa preocupados. - disse Hector - Tenho que lembra-la todo dia dos demônios espalhados feito baratas por aí? Pelo menos temos uma boa noção de grande parte do plano de Belphegor.

- Você parece com a corda toda hoje. - disse Rosie - Empolgado pra acharmos a bendita espada anti-demoníaca?

- Já deviam ter ido atrás há dias. - falou Adam - É só o que eu acho, não me julguem, entendo as dificuldades. Mas seria bom se deixassem de lado esse receio de emboscadas e armadilhas, isso trava nossa operação contra os objetivos daquele monstro e ele provavelmente causou uma tragédia na estação de rádio, um banho de sangue se pensarmos no pior cenário.

- O Adam tá certo, não quero esperar até o resultado definitivo da eleição com Belphegor e seu exército brindando a festa da vitória pra termos que ir ao mausoléu surrupiar a espada. - disse Rosie.

- Certo, então iremos hoje mesmo, contra todos os riscos. - determinou Hector, exalando seriedade - Sendo honesto, eu também não enxergava muita inteligência nessa estratégia e vocês conhecem minha teimosia de não dar o braço a torcer.

- Uhum. - concordaram Adam e Rosie simultaneamente.

- Ah, sobre a Pandora, darão alta pra ela ainda hoje de manhã. - informou Rosie - Talvez ela fique meio chateada depois de saber que a espada continua onde está graças a sua ideia. Mas podemos convence-la a nos transportar com magia.

- Não, fora de questão, se for pra contornar nosso atraso prefiro que seja agora. - idealizou Hector, chegando perto da jovem tocando-a nos ombros. A beijou na testa, um gesto do qual ela reagiu pouco à vontade com um desconcerto retraído.

- Podem ir, eu fico de guardião até a Pandora chegar. - disse Adam, levantando-se - Não precisam espera-la se a situação é urgente, cada segundo é precioso. Vão perder menos tempo pegando bondes superlotados.

O toque do telefone surpreendeu-os. Rosie decidiu atender a ligação antes que Hector se movesse.

- Alô? Sim, aqui é ela mesma... - disse ela que logo esboçou um sorriso largo - Não tô acreditando... Que saudade de ouvir essa voz. A última vez que nos vimos parece que foi há séculos. Como andam as coisas por aí?

- Rosie, quem é? - indagou Hector, intrigado. Adam partilhava do sentimento.

- Só um minuto... - disse ela, tapando o fone e voltando-se para os rapazes - Adivinha quem lembrou de ligar pros amigos?

Enquanto isso, na emissora radiofônica, Ephram se deliciava tomando um copo de uísque com os pés sobre a mesa com os equipamentos do locutor. Despreocupado, tomou um gole longo e saboreou passando a língua entre os lábios.

- Whustler, meu caro opositor... A partir de agora, quero resolver nossas diferenças. Do meu jeito, claro.

O outro candidato estava sentado encostado na parede tremendo de medo ao ver o locutor brutalmente degolado com os olhos abertos e ensanguentado, principalmente o sangue que transbordava do profundo corte.

- O que pretende fazer? Pensa que sairá impune dessa atrocidade? Você é inimigo da humanidade...

- Isso era pra me ofender? - perguntou Ephram, inclinando-se para Whustler - Enfim, não importa. Nada disso aconteceu. Esqueça o que testemunhou. Tivemos um excelente debate, foi um prazer.

O demônio utilizava sua hipnose em Whustler que tivera suas memórias apagadas.

- Agora saía. Cuidado pra não tropeçar nos corpos. - voltara à sua bebida - Seria uma chatice pedir que renunciasse.

                                                                              ***

Hospital Geral de Amesbury

Pandora calçava sua bota esquerda sentada na cama, pronta para deixar a unidade de atendimento emergencial da cidade após a liberação conferida pelo cirurgião-chefe. Mas alguém não sendo ele entrava no quarto.

- É indelicado entrar sem bater, mas... facilita se você deixar a porta fechada. - disse o médico com uma touca e uma máscara hospitalar que deixava apenas os olhos à mostra - Esse hospital tem estado muito inseguro ultimamente.

- Tudo bem, eu já tô de saída. - disse a semideusa pondo-se de pé - O pior já passou e tenho que agradecer à equipe médica por não desistir nem durante e nem depois da tragédia horrível de cinco dias atrás. Você é o doutor...

- Marshall. - respondeu ele - O doutor Silas revogou sua alta, ainda terá de permanecer mais um dia.

- Não, é um engano, um dos cirurgiões subordinados dele veio pessoalmente à mim confirmar. - disse Pandora, franzindo o cenho - Acho que não custa passar na sala do doutor Silas e perguntar. Ele vai ratificar, tenho certeza.

Pandora andou na direção da porta, mas o Dr. Marshall a segurou pelo braço.

- Sinto muito, Srta. Coppola. Esse é seu nome na ficha né? Estou dizendo a verdade, o doutor Silas reviu sua decisão, além de pedir que aplicasse uma dose extra de anti-inflamatório. - tirou uma seringa do bolso do jaleco - Amanhã estará bem.

- Bem morta você quer dizer né? Descuido seu tentar me impedir ficando nessa distância, só pra estragar seu disfarce fajuto. - disse ela numa expressão debochada - Por que não pôs umas lentes ou escolheu outro sobrenome?

- Sua vagabunda. - disse Leo, arrancando a máscara - Você costumava ser mais escorregadia. Soberba falhou no que vou acertar. E não adianta correr, coloquei barreiras mágicas em cada entrada e saída. É daqui pra uma cova funda, acabou.

- Nesses dias me recuperando, repus toda a força que precisei pra acabar com Soberba, ele só foi mais persistente, mas morreu de forma vergonhosa. É a sua vez. Hanc In Motu. - disse Pandora, efetuando um feitiço básico que fez a seringa voar longe da mão do mago. Leo tentou usar sua magia ofensiva, mas nenhum efeito surtia - Não tá fazendo nem um ventinho. - ironizou ela que logo chutou-o na canela para derruba-lo e em seguida prendeu o braço esquerdo dele para imobilizar.

- Se eu tiver que morrer usando essa magia que não me pertence... vai ser levando você comigo.

- Diz o mago que sequer me fez cócegas. Eu posso sentir. O seu chackra tá se deteriorando, essa rejeição vai mata-lo em pouco tempo, talvez dias, talvez horas. Mas não foi a fraqueza que anulou sua tentativa, foi sua hesitação. Dá pra ver só pelo jeito como tô segurando você! Tá com medo né? Medo de lançar feitiços mais fortes e ter uma convulsão ou um derrame.

- Disse que prefiro morrer desde que eu mate você. Por que não me solta e recomeçamos pra lutar a sério?

- O único oponente que eu considerava à altura está morto. E você jamais vai se comparar à ele.

A semideusa largara--o jogando ao chão e saiu do quarto. Leo se enfureceu ao ver que ela se referia à Derek, mas repentinamente viu gotas de sangue pingarem caindo do seu nariz. Foi olhar no espelho e percebeu seus lábios e pele empalidecendo. Se arrependeu ainda mais pela chance que perdeu de implorar por uma cura à Pandora.

                                                                                ***

Persuadir Hector a concordar com a ida de Rosie ao mausoléu dos magos sozinha não foi tarefa das mais simples para a jovem. Rendendo-se mais uma vez ao fato de terem que acelerar na investida contra Belphegor, o caçador decidiu acompanhar Adam rumo à localização onde a pessoa que telefonou gostaria de revê-los. Rosie caminhava lentamente adentrando no território que já pisara antes. Abriu o portão duplo de grades enferrujadas que rangeu agudamente.

"Como ela tinha dito mesmo? Atrás da última tumba... não, da primeira.", pensou Rosie, dentro do espaço cavernoso visualizando as tumbas em vertical. Dirigiu-se à primeira, à sua esquerda. "Ela devia ter sido mais específica."

Estava vazio atrás da tumba, porém umas dúvidas floresciam.

- A primeira tumba... Mas de qual lado começa? - indagou, olhando para a sua direita - Será nessa?

Também nada. Mas eis que recordou de um ponto alternativo mencionado pela semideusa. "E se estiverem dentro?"

Afastou com as mãos a tampa de primeira tumba à esquerda. A espada Arkanon foi focalizada pelos olhos azuis da jovem que fixamente a contemplava. Pegou-a cuidadosa, estudando seu formato meio curvo com a ponta principal bem afiada e as duas adicionais e menores na lateral abaixo. "Imaginava um pouco maior. É tão pesada quanto uma lâmina de irídio comum, senão um pouco mais...", pensou, testando o manejo. Saiu do mausoléu indo para o bosque com árvores sombreiras.

As palavras de orientação ecoaram na sua mente. "O controle absoluto do manejo da Arkanon, no seu caso, tem que ser obtido controlando seu poder divino para compartilha-lo com a espada."

- Incrível como ela deu a impressão real de que é tão fácil. - disse Rosie, segurando firmemente o cabo da espada - Eu sei o que fazer. Harmonizar o poder divino com a magia da espada. - fechara os olhos e canalizou a energia para a Arkanon.

Os símbolos talhados na lâmina brilharam em laranja, sinalizando a transfusão de energia. Mas a espada parecia aumentar de peso e o corpo de Rosie começou a tremer junto com a arma. Uma energia de cor negra subiu pelos braços da jovem, como uma fumaça. A sincronização e estabilização recomendadas por Pandora não haviam sido alcançadas. Pelo contrário, Rosie sofreu uma reação imprevista que resultou num novo corrompimento do seu ser. Ela abriu os olhos expressando uma face de malícia seguida de um sorriso de canto. Retomou a andança, mas trilhando noutra direção afastada da que veio.

                                                                                 ***

Área florestal de Raizenbool 

Hector e Adam estavam prestes a entrar no carro para caírem na estrada quando Pandora surgiu aproximando-se deles.

- Lá vão vocês pra uma nova jornada. Mas e a Rosie? Cadê ela?

- Como recebemos uma ligação inesperada de bons amigos que não vemos há meses e eles desejam uma reunião pra matar as saudades, acabei deixando Rosie ir sozinha ao cemitério dos magos. - disse Hector.

- A contragosto, diga-se de passagem. - disse Adam - É que a gente temia que os demônios rastreassem cada passo que déssemos. Daí os planos mudaram, porque é óbvio que não iríamos esperar você.

- E não deviam mesmo. Aliás, foi bom que Rosie tenha saído sozinha, apesar desse ser um risco que vale nos preocuparmos. A dominância das forças de Belphegor continua progredindo de hora em hora. Dá a sensação de que ele tá ocupando Londres pra um golpe que pode aumentar a pilha de cadáveres.

- Ficou sabendo do debate entre ele e o adversário, Ronan Whustler, na rádio? - perguntou Adam.

- Enquanto ia embora do hospital, ouvi falarem. A imprensa tá noticiando como um massacre de um grupo opositor de um dos dois que entrou furtivamente. Mas pra nós é claro que os demônios infiltrados causaram a matança. Belphegor não sujaria suas mãos a troco de nada. Eles parasitaram quase tudo: a imprensa, departamentos de polícia, forças armadas...

- Bem que eu suspeitei. - disse Adam olhando para Hector - Qual o sentido? Nos provocar?

- Como político, Ephram Lankester é também uma celebridade. - disse Hector - Dificilmente ele perde maioria se remover cada vestígio que incrimine seu grupo de apoio popular. Não duvido amanhã nos jornais isso caindo na conta de Whustler.

- O fato de ele não ter manipulado sua vitória logo no primeiro turno só indica que ele tá sendo generoso até demais pra estender o tempo que vocês tinham de sobra e desperdiçaram pra achar a espada. - disse Pandora.

- É o que ele quer que acreditemos. - retrucou Hector - Apenas um lado está ganhando tempo e não somos nós.

- Vocês tem um mapa? Preciso me certificar de que Rosie está no cemitério dos magos ou nas proximidades fazendo o equilíbrio de energia divina e magia do caos. Pra compensar o tempo perdido, pedi que ela treinasse imediatamente.

Adam procurou no carro um mapa da Inglaterra. Achou-o dobrado no porta-luvas.

- Nunca sairíamos sem um. - disse o caçador robusto entregando-o à semideusa - Alguém conhece esse país como a palma da mão? - algo lhe instigou uma dúvida - Não entendo porque rastrear Rosie se ela está em segurança com uma arma mortal.

- Iminência de ataques de demônios é o menor dos problemas comparado à um erro no treinamento. - disse Pandora, abrindo o mapa sobre o capô do carro - Ela tem apenas uma tentativa. Um deslize e... nem passa pela minha cabeça o que pode acontecer.

A semideusa recitou o feitiço de localização com as mãos abertas acima do mapa que gradualmente desintegrava-se, esfarelando até que restasse um pedaço que denotava o ponto onde ela estaria.

- Nós precisávamos dele. - disse Adam que não esperava aquilo.

- Ah não... - disse Pandora pegando o que sobrou do mapa - Rosie não está mais lá, se distanciou mais do que devia.

- Onde ela está? - perguntou Hector.

- Canterbury. Fora do trajeto de retorno. - disse Pandora, preocupada, mostrando o fragmento do mapa.

                                                                                   ***

Rosie fizera uma parada numa igreja, mas não a fim de rezar ou se confessar ao padre que a olhava estranho.

- Filha, no que posso ajuda-la? - perguntou ele, relutantemente aproximando-se.

- A liberta-lo dessa prisão. - disse Rosie - Esse mundo está mergulhado em mentiras. Mas o que posso fazer se ninguém me escuta? Se à mentira estão agarrados, com ela devem padecer. Se a verdade não as liberta, a morte o faz.

- Ouça, quer que eu lhe chame um médico? O seu juízo não parece estar no lugar. E nem vou falar desta espada medonha...

- Padre, em toda minha vida nunca estive mais sã. - disse ela, andando até o idoso padre - O senhor não quer ouvir toda a verdade? A verdade sobre o que está lá fora. Sobre o que várias pessoas sequer imaginam.

- Só Ele é a verdade! - disse o padre, apontando para uma imagem de Cristo na cruz - Vá embora, não admito visitas de emissários do diabo!

- Muito pelo contrário, é ele quem devo matar. Mas antes... - disse Rosie, logo cravando a espada na barriga do padre - ... tenho de punir quem não se dispõe a compreender o que anda acontecendo com essa droga de mundo perdido!

De repente, um grupo de cinco demônios apareceram sob disfarces humanos de homens com visuais típicos de batedores de carteira ou assaltantes armados. O padre caíra morto, a ferida gorgolejando sangue. Rosie virou-se aos monstros atraídos.

- Queremos te dar uma lição. - disse um deles, estralando os dedos - Você tá exalando um cheiro muito intenso de magia.

- Então foi graças à essa espada, virei um farol aceso pros soldadinhos vermelhos do Belphegor. É conveniente.

- Por que? Tá apressada pra morrer? Perdeu a noção da realidade? Somos cinco, você uma.

- Eu me referia á espada. - disse Rosie, orgulhosa de tê-la - Finalmente vou poder testa-la de verdade.

Os cinco demônios avançaram, mostrando suas reais faces rubras e feias. Rosie agilmente desferia cortes com a Arkanon, chegando a separar a cabeça de um demônio do resto de seu corpo para depois virarem pó. Os outros tentavam ataques telecinéticos, mas não efetivava contra ela. Rosie os golpeou com chutes largos, derrubando pelo menos um. Os dois últimos investiram lançando um pulso de vibração e Rosie defendeu-se com a espada, o que apenas a empurrou alguns metros.

Ela contra-atacou arremessando a espada que acertou um demônio bem na cabeça. O outro tentou apanha-la, mas tivera sua mão encobrindo-se de chamas que se propagavam pelo braço direito. Pegando-a de volta, Rosie fincou a lâmina no demônio que se desesperava com o fogo lhe consumindo. Por fim, impediu que o último levantasse o chutando-o de volta ao chão para esfaqueá-lo nas costas. O demônio gritou de dor reduzindo-se a pó instantaneamente.

O piso da igreja ficou sujo de uma boa quantidade de cinzas. Rosie olhou para a lâmina, sorrindo com confiança.

                                                                            ***

Área florestal de Raizenbool

Hector, Adam e Pandora ouviam no rádio um noticiário sobre uma briga violenta de bar que terminou com seis mortes, todas cometidas por uma garota trajando um chamativo manto vermelho. Hector passou a mão no rosto, apreensivo.

- Não pode ser, isso é um tipo de reprise ruim, aquele pesadelo voltou. - disse o caçador, aflito.

- Dessa vez eu assumo abertamente a minha culpa. - disse Pandora - Meu suporte emocional não foi tão bem-sucedido quanto eu esperava. Acreditei na determinação dela de completar o processo sem consequências, mas se ela não acreditasse em si mesma eu também perderia minha fé. Aí está a prova. Ela falhou e inocentes pagam por isso.

- Deixem comigo. - disse Adam, pensando na forma que iria purificar Rosie - Palavras talvez não bastem, mas quero tentar.

- A Arkanon possui três pontas. Vai em frente se quiser experimentar ser empalado por ela. - disse Pandora.

- Eu não quero saber de conversa! É minha decisão e não retiro. Vou atrás dela, vou traze-la de volta.

- Adam, pense bem... - disse Hector - Ela está instável, fora de si. Não seria melhor que eu assumisse esse risco?

- Claro, você é alguém especial pra ela . Mas e quanto aos nossos amigos? Hector, a última coisa que eu quero é suplicar por uma chance de que eu posso lutar pelos outros arriscando minha vida e quanto se trata de Rosie não é somente você quem deve tomar a dianteira. Como amigo dela, não tenho esse direito? E como meu amigo você não pode se conscientizar?

Engolindo em seco, Hector desviou o olhar sério culpando-se por sua contrariedade.

- É! - disse Pandora, batendo seu punho direito fechado sobre a palma da mão esquerda - Por que não pensei antes nem por um minuto? É tão óbvio... - virou-se para os caçadores - Belphegor previu que a Arkanon fosse recuperada, apenas esperou os principados morrerem e a alma de Rosie se reconstruir. Ele contaminou as sete partes da alma com magia negra.

- E Rosie equilibrar a energia divina com a magia da espada não passou de um gatilho? - indagou Hector.

- Basicamente. Ele já estava mais que um passo à frente. O choque entre a energia divina e a magia desencadeou nessa reação, o maldito arquitetou tudo previamente pra esticar nosso atraso. Mas existe um método pra repurifica-la. - disse Pandora que focou em Adam - A energia divina precisa ser manifestada pra expulsar a magia negra. Mas ela tem que ser convencida disso.

- Decidido então. - disse Hector - Você podia me acompanhar até o local onde Adam e eu iríamos.

- Obrigado. - disse Adam, aliviado. Hector apertara a mão do amigo e ambos deram um rápido abraço com tapinhas nas costas - Sabia que colocaria sua confiança em mim acima do seu orgulho.

- Boa sorte. - disse Hector - Seja cuidadoso. É só um aviso. - olhou para Pandora - Vamos lá?

                                                                                 ***

No hospital geral de Amesbury, Leo mal aguentava-se em pé entrando no depósito de medicamentos desesperadamente buscando uma cura para o mal que o definhava. Se debruçou à uma estante, remexendo nas caixas repletas de frascos contendo pílulas. "Não posso morrer aqui...", pensou ele.

Caíra derrubando duas caixas com vários frascos que se abriram e espalharam pílulas. A insuficiência do organismo emitia um alerta de gravidade. Sua pele estava pálida e quebradiça, além de gélida numa temperatura baixa que teria matado um humano em condições normais. O ex-profeta e, naquela altura, ex-mago do caos, sentiu o poder da morte fazendo sua vida passar diante dos olhos. Desejou mandar suas últimas palavras ao pai telepaticamente, mas seu estado deplorável impossibilitava. Leo dava seus derradeiros espasmos e suspiros com a boca aberta e a face de horror.

- A Caosfera vive... E subsistirá... Até o fim dos tempos. Ainda posso voltar... Enquanto houverem os outros... - o coração parou seus batimentos e o filho de Hamilton Marshall morrera com uma esperança que o iludia.

Com relação ao comandante do quadrante europeu da Caosfera, o mesmo se encontrava na sede da fraternidade que havia perdido sua relevância perante á Belphegor. Uma mera carta fora do baralho. Hamilton, numa sala do sexto andar, pondo uma pedra Ônix sobre a mesinha baixa de mogno. Levantou-se do sofá, caminhando deprimido, numa expressão apática e vazia, até a janela, a qual abriu empurrando para o lado. Pôs-se de pé sobre o corrimão da sacada, de frente para a sala, e enfim deixou-se cair para trás. Com os braços abertos, Hamilton encarava o céu pré-anoitecendo com lágrimas brotando.

O corpo do respeitado líder esborrachou-se impactante no chão produzindo som de ossos quebrando.

                                                                                  ***

Canterbury

Rosie continuou na igreja à espera de uma dúzia de demônios vir retaliar pela perda dos que tinha matado com a espada. O que ela não aguardava era a presença de um aliado. Fitou com surpresa e incômodo a figura de Adam na entrada.

- Rosie, tá tudo bem, a sua mente pode estar confusa... mas no seu interior ainda é a mesma.

- Veio pedir que eu lute contra minha escuridão interna né? Olhe o resultado. O que não me matou só me fortaleceu. Demônios pulverizados, pessoas ignorantes livres de uma existência que não faz sentido algum sem conhecimento da verdade - disse ela, apontando para o padre morto - e controle da espada obtido. Ficou até mais levinha.

- Não vou gastar saliva pra te encher de conselho motivacional, uma terapia psicológica e uma autoanálise profunda passam longe de serem soluções pro seu problema, então vai um encarecido pedido: essa magia tá intoxicando você, tem que expulsa-la do seu corpo. Obviamente que a Pandora não está aqui pra te ensinar como se faz.

- Chega mais perto que mostro como essa espada é boa. - disse Rosie, apontando a Arkanon para o caçador.

- Eu achava que seus alvos eram os que se negavam a saber a verdade do sobrenatural...

- Tô disposta a abrir uma exceção pra quem quiser me virar do avesso à força. É quem sou agora, aceite ou lamente.

- Não é isso que eu quero, depende de você curar o mal que tá corroendo sua alma. Rosie, você é uma legionária, se tornou líder da equipe por mérito. Nosso principal dever sempre foi de combater as hostes que estão por aí, escondidas nas sombras...

- É por essa razão que os que preferem viver na ignorância devem ser libertos. - retrucou Rosie.

- Não! Você tá distorcendo as coisas! Libertar as pessoas do mal não significa ceifar as vidas delas! Esse padre que você matou. Ele só se agarrava naquilo que acreditava. Não punimos quem desconhece os monstros e sim protegemos! Mesmo ao custo de nossas vidas. De qualquer forma, muitos morrem ignorantes. Mas não é culpa deles, não é escolha deles.

- Eu tenho a missão de matar Belphegor, mas não posso ser obrigada a tolerar gente que se recusa a ouvir a verdade.

- Belphegor corrompeu sua alma. Era pra você ter equilibrado seu poder divino com a magia da espada. Pra desfazer essa armadilha que aquele demônio desgraçado plantou tem que liberar a energia. Isso tá dando uma sensação falsa de poder.

- Como tem tanta certeza? O que garante que explodindo uma energia que nem controlo plenamente vai ajudar?

- Orientação da Pandora. Foi a conclusão que ela chegou. - disse Adam, nervoso - Você não quer me matar, Rosie. Esses sentimentos malignos vão te destruir aos poucos. É um grande amigo seu falando, não alguém que quer seu mal nem seu sofrimento. Mas... mais do que uma amiga, eu vejo você... como uma irmã. E irmãos podem contar um com o outro sempre.

Os dedos de Rosie tocavam levemente no brasão de Yuga. Ela olhou fundo nos olhos de Adam.

- Belphegor fez isso comigo... Isso parece razoável. Afinal, ninguém me falou que seria fácil remontar minha alma. Muito menos que íamos comemorar a vitória por muito tempo. Nunca temos descanso ou paz.

- E então? Você confia em mim? Mais importante: Confia em si mesma?

Rosie assentia derramando lágrimas. Concentrou sua energia maximizando-a ao ponto de refulgir a luz dourada envolta dela que crescia na medida da sua força de vontade. Adam protegeu os olhos com as mãos pela claridade intensa que tomava a igreja. A energia emanada pulsou como se mostrasse asas de um pássaro por um segundo.

Rosie caiu de joelhos um tanto zonza, mas inteiramente desinfetada da magia corrupta.

- Você tá bem? - perguntou Adam, levantando-a.

- Pra quê essa cara de quem tá tremendo de medo? Voltei a ser boazinha. - disse ela para a alegria e o riso do caçador. Porém, um estouro os assustou. Correram para fora da igreja ouvindo um tiroteio. Depararam-se com uma arruaça violenta.

- O que tá acontecendo? - perguntou Rosie, abismada vendo pessoas, homens e mulheres, portando armas pesadas e bombas de fabricação caseira sendo jogadas em carros e na polícia que enfrentava-os numa estranha desvantagem.

                                                                          ***

Hector e Pandora finalmente chegaram ao prédio que a pessoa do telefonema de mais cedo tinha indicado para reunirem-se.

A sala estava um pouco escura, mas vazia. Hector demonstrava firmeza sobre não ser um engano.

- Localização correta? - questionou Pandora.

- Sem dúvida alguma. - disse Hector com os sentidos bem apurados - Pode aparecer... Êmina.

A caçadora e alquimista saía do escuro juntamente com um time de caçadores, incluindo Lester. Uma presença que Hector não antecipou até ali o surpreendeu como nunca.

- Charlie?! - disse ele, querendo sorrir.

- Hector. Como vai? Alexia dessa vez resolveu parar de manter as visões secretas. A que vim revelar não é nada boa, pra variar.

                                                                            CONTINUA...

*A imagem acima é propriedade de seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos. 

*Imagem retirada de: https://rrupta.wordpress.com/tag/lucas/

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