Crítica - O Touro Ferdinando


Quando nadar contra a corrente traz bons resultados.

AVISO: A crítica abaixo contém SPOILERS.

Segunda animação dirigida pelo Carlos Saldanha (A Era do Gelo) que conferi sem saber da ficha técnica nem nada. Há um curta-metragem do personagem realizado pela Disney em 1938 sendo este baseado no livro original. Cerca de 80 anos depois vem às telas uma versão em 3D que conta com um tom levemente aventuresco e que apesar dos clichês mantém firme uma narrativa envolvente sem soar um "mais do mesmo" que lembre outros filmes de outras produtoras como a Pixar ou Dreamworks. Somos apresentados ao centro da trama que o é personagem-título em sua infância retratada como um difícil período que inclui repressão, bullying e a resistência à própria natureza.

Touro que é macho de verdade sente o raiva o tempo inteiro com vontade de chifrar algo ou alguém e travar duelos contra outros touros basicamente como treinos para as questionáveis touradas. Ferdinando, contudo, é um touro dócil que confronta, à sua maneira, não apenas a sua natureza como também quem a cobra discriminadamente. Logo no prólogo, o protagonista é colocado em embate ideológico contra Valente (mais clichê impossível os pais de ambos também serem rivais acirrados), um touro que obedece à essência comum e executa a função de contraponto à personalidade de Ferdinando que reprime os instintos básicos de seu ser acabando duramente criticado e ridicularizado pelos demais. Esse conflito é bem dramatizado pondo a frágil figura de Ferdinando em foco para que criemos empatia ao problema do que é se mostrar diferente em um ambiente de competição onde a intolerância e a opressão são imperantes no cotidiano.

É uma amostra do batido "seja você mesmo" com um algo mais e além. Ferdinando tem a compaixão à seres menores que reforça a visão preconceituosa dos seus colegas, seja salvando um coelho ou regando uma flor, atitudes completamente desvirtuadas do que o meio esperaria dele. Um dos pontos que favorecem a narrativa é deixar os personagens humanos para escanteio por grande parte dos atos e nesse aspecto ficam como destaques a família de Nina com Juan e o alívio cômico divertidinho que é o cachorro Paco, muito embora façam ausência no segundo ato mas estão lá apenas como um porto seguro para o protagonista. Ferdinando os encontrou a uma fuga do local onde esteve preso, após separar-se de seu pai (parte da zona de maior fator emocional do longa) e passa a viver e crescer na fazenda (inclusive, a passagem temporal é lindamente orquestrada). Dar mais tempo de tela aos animais se fez como escolha acertada do roteiro e os humanos que integram o núcleo que evoca o temor de Ferdinando com relação às touradas (e as consequências de não ser selecionado, no caso o abatedouro) não passam de nada mais e nada menos que quase figurantes de apoio (e a persistência desses caras tornou a cena da perseguição - com o sucesso do plano de fuga - bem empolgante).

O passado de Ferdinando volta para assombra-lo e novamente o coloca frente aos colegas que um dia o execravam pela sua conduta atípica. Especialmente Valente que teima em implicar e parece ter crescido tão carrancudo quanto o pai e assim como o próprio Ferdinando ele manteve suas convicções. Foi impossível pra mim não notar um quê de Patinho Feio nessa dinâmica. Como bezerro, Ferdinando transmitia fraqueza e era constantemente zoado e duvidado. Já na fase adulta, com um porte físico que deixa os outros companheiros babando, ele esbanja mais segurança pois o tempo vivenciado na fazenda o ajudou a lidar com sua condição "estranha" de forma segura e ele não vê mais nenhuma razão para se reprimir ou odiar quem ele acredita ser de verdade. Afinal, o que destoa de um padrão natural sempre sofre com a tendência de perseguição, o que atingiu Ferdinando entretanto sem que o fizesse carregar traumas e ressentimentos. A questão do perdão é um item pertinente, especificamente no segundo ato quando Valente perde uma luta contra Ferdinando (agindo forçosamente, claro) e o embate é flagrado por El Primero, o toureiro antagonista, fazendo com que o rival de Ferdinando seja condenado ao abatedouro após perder um pedaço do seu chifre. Determinado graças ao seu ímpeto de pacificador, Ferdinando resolve resgata-lo (e também Guapo - um touro que posa de badass mas no fundo sepá é o mais frouxo do grupo - que havia sido levado antes). Logo após esse evento, é nítido que a relação de ambos começa a se apaziguar, com Valente passando a compreender as diferenças numa perspectiva melhorada através do salvamento.

E obviamente que uma premissa destas não podia ter um clímax mais evidente. É literalmente numa tourada que Ferdinando tem sua natureza posta à prova e a crítica social vai cooperando. Não foi El Primero o vencedor, mas sim Ferdinando que venceu a si mesmo e uma vitória assim para ele é digna de aplausos, rosas vermelhas e reconhecimento diante de uma plateia que antes queria vê-lo se ferrar.

Considerações finais:

Embargado de críticas e reflexões psicológicas que giram em torno do meio contra a natureza particular construída pelo indivíduo, O Touro Ferdinando se consagra como uma decente animação que cumpre um ótimo tratamento ao seu (atrapalhado) protagonista sem que seu conflito interno se desgaste ao longo do filme assim como explora pontos principais de cultura espanhola. Tudo na medida certa dá certo e em cada aspecto de destaque ele mostra competência. No fim, os detratores de Ferdinando recebem um rico aprendizado sobre lidar com diferenças, autoconhecimento e o valor das pequenas coisas.

PS1: Um furo gigantesco foi Nina chamando Ferdinando pelo nome. Ele já tinha esse nome desde que nasceu. A menina só o conheceu quando o encontrou perdido na chuva após a fuga dele e o levou para cuidar, então como ela sabia? Até porque os animais só interagem entre eles e nunca com humanos. A menos que ele fosse um bezerro muito famoso, o que não é convincente, então fica aí o mistério.

PS2: Touros, cavalos, cabras, ouriços e cães podem falar... mas não galinhas?

PS3: Lupe ou Paco no melhor alívio cômico? Fico com a cabrinha maluca (e "mentora" de Ferdinando).

PS4: Já era óbvio que o grupo de touros ficaria com Ferdinando, Nina e cia, mas não deixa de ser satisfatório ver aqueles personagens repensando seus conceitos acerca do touro bondoso que eles bulinavam.

PS5: A competição de danças me lembrou As Branquelas.

NOTA: 8,5 - BOM 

Veria de novo? Sim. 

*A imagem acima é propriedade de seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos. 

*Imagem retirada de: https://www.comboinfinito.com.br/principal/o-touro-ferdinando-animacao-dirigida-pelo-brasileiro-carlos-saldanha-ja-esta-disponivel-nas-principais-lojas/

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