Crítica - Não Olhe


O agridoce da vingança.

AVISO: A  crítica abaixo contém SPOILERS.

Geralmente não me atraio por filmes ligados à temática do bullying por uma questão bem pessoal, especificamente porque eu carrego tortuosas e fadigantes memórias do período escolar em que me coloquei dentro de situações que caracterizem essa forma de violência. Em outras palavras, sou uma voz da experiência que não dá o play por mero receio de resgatar as lembranças que quero manter enterradas e ao mesmo tempo tem propriedade para analisar a pauta sob um ponto de vista filosófico e sentimental (caso o filme colabore com avaliações desse tipo). Esse longa é um thriller psicológico que parece uma creepypasta do Reddit adaptada. E se tem uma coisa que ganha minha atenção de primeira para um suspense com pitadas de terror é uma mistura de dúvida e reflexão, além de espelhos. Sim, espelhos são itens fundamentais para compor uma narrativa que compense o tempo que você lê ou assiste. Espelhos dão rendimento, espelhos promovem boas histórias.

Mas a possibilidade de uma trama cativante não torna inescapável que as exceções não aconteçam. Maria é uma estudante introspectiva, solitária, sem vida social e vítima do abuso de colegas, mas até a pessoa mais excluída do mundo pode ter ao menos um amigo - falso ou verdadeiro - e quem preenche essa lacuna é Lily, uma loirinha que no desenrolar das coisas vai provando ser uma autêntica falsiane devido a um ciúme adolescente pelo seu namorado com sua melhor amiga - justo a "estranha" da turma. O clima escolar pode, em alguns momentos, fazer lembrar de Carrie: A Estranha, ainda possuindo um baile (de inverno, o que obriga Maria a aprender a patinar no gelo porque ela precisa ser humilhada e passar vergonha) como um evento de preparação à algo determinante para que a grande virada do enredo ocorra. Os pais de Maria a cobram rigorosamente, sobretudo seu pai, um esteticista, que aparentemente esconde uma personalidade sombria voltada a sua superficialidade (que o faz preocupar-se com a aparência da filha como se isso resolvesse o problema de exclusão social da garota - prestes a completar 18 anos). Não é pior do que a cobrança que é feita a si mesmo. A princípio suspeitei que daí veio o "alter-ego" cheio de desinibição, prazeres e vontades que a versão boazinha trancava no íntimo do seu ser.

O mote atrativo é a presença de uma metade maligna nascida do âmago de Maria que manifesta-se no reflexo do espelho. Entretanto, o pior erro do filme é escancarado nos minutos iniciais, estou falando daquela imagem de ultrassom com dois bebês que à primeira vista parecem estar se digladiando no útero. Obviamente que Maria é uma gêmea que sobreviveu e a outra não teve outro destino senão a morte (por nascer deformada). A partir dessa evidência imagética, principalmente para quem tem contato profundo de anos com histórias de terror, os desenlaces ficam mais previsíveis. A gêmea má que assume o lugar da boa através de um meio sobrenatural (um beijo no reflexo - veja, eis uma lição de amor próprio!). A propósito, nem necessitava de uma significação fantasiosa para construir a problemática geral. A vantagem da dúvida sobre a real natureza do caso de Maria devia ter sido o norte certeiro que seria responsável crucial por instigar o espectador. O que foi realizado ao início do filme macula com o que era pra se fazer a surpresa na cena final. Àquela altura eu já sabia do se tratava. O desfecho perde muito da sua força (que nem chegava tanto) por conta de tal deslize (Maria deitada ao lado de sua mãe, arrasada por descobrir a traição do marido cuja revelação é cortesia de uma armação bem a cara de vilãzinha de novela, e as imagens passam como slides fotográficos até que no fim vemos uma segunda Maria no outro lado da mãe e que na verdade é a filha morta). Antes tudo mantivesse-se no campo psicológico, abordando as consequências do bulliyng.

Quando o "alter-ego" (chamado de Airam, porque... é Maria ao contrário e a coisa fala pelo reflexo, é isso aí x_x) assume o controle da vida de Maria o enredo descamba para uma mão frouxa na entrega de uma carga de intensidade que fizesse jus à mudança radical. Só que não, as vinganças de Maria são meia-boca e inconvenientes (ela não vai ser punida por cortar a garganta do pai?) embora não tenham efeitos que reverberem sobre ela. Mas tem um lance que vale uma ressalva: O quão longe uma vítima de bullying está disposta a ir completamente seduzida por uma obsessão em provar sua dignidade por satisfação própria. Os massacres de Columbine e Realengo (nos EUA e no Brasil, respectivamente) são provas cabais do resultado devastador que o bullying pode acometer na psiquê de uma vítima (ainda mais se houver passividade, negligência e vista grossa). Mas isso vai de cada um. Pode ser predisposto (um gatilho) ou não. O ímpeto assassino é uma decorrência que varia de acordo com os danos psicológicos sofridos e pode ser reprimido seja pelo motivo que for. A vontade de revidar, pagar na mesma moeda, ou fazer pior, é possível de passar na cabeça de qualquer um e isso respinga para quem não tem nada a ver (Maria assassinou o namorado de Lily, que tinha acabado de conquistar, por rejeição ao seu comportamento).

Já explanei o principal erro e como filme de suspense tem um roteiro meio equivocado com enquadramentos demorados, o que piora com a total ausência de trilha sonora (tirando as músicas nos passeios de carro) nos instantes que Maria visita sua confidente para colocar o papo em dia na frente ao espelho e a cereja do bolo são os diálogos enfadonhos. E é só.

Considerações finais:

Não Olhe não intencionalmente sabota o potencial da trama no investimento de um terreno mais realista que explorasse a complexidade dos transtornos causados pelo bullying e ao invés disso apela para uma possessão de espírito fazendo as duas gêmeas, a viva e a morta, trocarem de lugar. Meu amor por creepypastas não falou mais alto, pelo visto. E pra quem espera um suspense de manter os olhos bem abertos, eu sugiro que aceite o que o título diz claramente.

PS1: Pra confessar, gostei da Maria usar o taco de hóquei pra machucar o babaca que a humilhou no baile.

PS2: Se esse filme proporcionasse a mesma agonia e a tensão de Doce Vingança, levaria mais pontos.

PS3: Escolheram bem a atriz, parabéns à produção, até eu fiquei intimidado com os olhares maldosos.

NOTA: 6,0 - REGULAR

Veria de novo? Provavelmente não. 

*A imagem acima é propriedade de seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos. 

*Imagem retirada de: https://cinepop.com.br/nao-olhe-197012

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