Frank - O Caçador #34: "Os Bons e Velhos Tempos"
O final da noite para um caçador não chegava a representar uma hora em que corpo precisava se reenergizar após uma caçada trabalhosa. Frank reprimia uns bocejos, mas ainda sentia-se disposto para pelo menos não adormecer dentro do carro sob a possibilidade de batê-lo num poste ou capota-lo. Ligou para Carrie para ver se espantava o sono que ameaçava crescer conforme avançava na estrada.
- Você já deve estar em casa né? Liguei só pra dizer que não vai dar pra ser sua carona hoje.
- Não, meu expediente terminou agorinha. Mas nessa noite você tá livre, tenho grana sobrando pra um táxi e um tempinho também pra ouvir o que principalmente tem pra me falar. E te conhecendo bem, é claro que não ligou pra dar um aviso rápido que facilmente poderia ser uma mensagem. - disse Carrie - É sobre ele, né? Tá curioso pra saber como venho superando o trauma de uma festa de aniversário brutalmente arruinada pelo meu próprio colega de trabalho. Estou muito bem, obrigada.
- Tá querendo enganar a mim com esse tom? Disfarçar ironia tá longe de ser um dos seus talentos.
- Ah, está bem, quebrando o silêncio: Ainda tô arrasada. - disse Carrie, arrumando sua bolsa com o celular colado no ouvido esquerdo apoiado pelo ombro - Estou literalmente trabalhando com um monstro. Mas vê-lo naquela forma... me deu pena.
- Comigo foi quase o mesmo sentimento. Só que não vou fugir da minha obrigação.
- Frank, tá afim de caçar um abominável homem gigante na espera de que qualquer artifício que usar vai surtir efeito contra ele? Essa sua ingenuidade suicida tá afetando seu bom senso. Se atiçar o Fred, jogando verdades na cara dele, vai irrita-lo, ele vira aquela coisa e parte seu espinhaço em dois. Quer mesmo cutucar a fera com alfinete? O que os anjos vão achar?
- É exatamente isso que eles esperam que eu faça, Carrie. Mas... Eu não tenho tanta convicção se devo me resguardar ou jogar tudo que tenho pra cima dele. - disse Frank, incerto quanto a forma correta de agir - Sei que ele tem um lado humano.
- E se esse lado já tiver sido completamente consumido pelo mal? - teorizou Carrie - Desde o dia seguinte à festa, ele não tem me olhado naturalmente, assim como eu não consigo sentir tranquilidade quando está por perto. Nossa relação mudou.
- Não se sente segura, eu entendo. Vamos torcer, talvez rezar por um milagre, pra que haja um jeito melhor disso acabar.
- Me aperta o coração ter que dizer isso... Tá praticamente claro que o único jeito será mata-lo. Isso se existir um método.
O detetive se reservou num silêncio que expressava bastante à Carrie o que sentia em relação ao dilema tortuoso.
- Carrie, ahn... A gente se fala amanhã à noite, tá OK? Tem uma ligação na espera, pode ser meu chefe da ADP, na melhor das hipóteses. Não tenha pesadelos com o Fred. Peraí, não tô zoando, relaxa. Falou, pra você também. Tchau. - disse ele, logo desligando e atendendo a chamada a cobrar - Alô? Ei, calma aí, mais devagar, a linha tá com interferência... De onde você tá ligando? Plaza Casta? Em Bellmurd? Nunca ouvi falar. Continua bem no lugar que se escondeu, tô indo pra aí já.
Alarmado para socorrer a garota que telefonara do desconhecido hotel na pacata e fronteiriça cidadezinha, Frank deu meia-volta, cantando pneus, passando para a via oposta e acelerando fora do limite de velocidade.
Adentrou no território após uma viagem de quarenta minutos aproximadamente, estacionando o sedã prata em frente a uma barbearia. Frank de imediato estranho as arquiteturas daquela rua, as aparências tinham um caráter vintage e fora de época.
Dando pouca importância de Bellmurd estar tão diferente de como se lembava, ele seguiu com uma lanterna e a arma em punho até o hotel cuja fachada possuía uma faixa amarela anunciando a inauguração marcada para o dia seguinte. Passou pela recepção não vendo ninguém, por uns corredores com quartos aos lados vazios e dobrou para outro mais escuro com elevador no final. Na aproximação foi ouvindo soluços de choro abafados. Apontou a lanterna para a porta do elevador claramente datado na sua forma. A abriu com força e viu a garota que ligara desesperada encolhida no canto.
- Elise?! Bem que eu desconfiava que sua voz era familiar. - disse Frank, reconhecendo-a - O que tá pegando aqui?
- Me desculpe, detetive... - disse Elise, seu rosto branco encharcado de lágrimas e o cabelos acastanhados bagunçados - Não tive opção, foi mais forte que eu. O impulso que o senhor... me disse pra evitar. Eu não pude cumprir minha palavra.
Frank fazia cara de confuso, não entendendo de início, mas logo foi se recordando.
- Ah... Sim, eu tinha avisado a você pra não brincar de investigação paranormal. Não vou te culpar, essa coisa de desvendar mistérios que não são desse mundo é uma droga viciante pra cacete. Já pensei em desencanar, mas a recaída vem num instante. - disse, estalando os dedos para representar o quão rápido e fugaz era o pensamento de abandonar a rotina de caçadas. O detetive veio aproximando-se dela - Vou te tirar daqui e no caminho você me explica que caso é esse.
- Não, não sem a gente enfrentar ele. - disse Elise, apavorada - Ficamos de gato e rato até eu ligar pro senhor. Essa cidade é estranha. Até parece perdida ou parada no tempo. Isso eu não tenho como explicar.
- Não importa o quanto estranho e inexplicável tudo isso seja, me dá sua mão e o que vier pela frente eu mando chumbo grosso. - disse Frank, estendendo sua mão direita à Elise cujo semblante adquiria mais sinais de pavor.
- Detetive, atrás do senhor! - gritou ela. Porém, tardiamente. Um cotovelo atingiu forte a nuca de Frank o derrubando ao chão e à inconsciência abrupta. O indivíduo agressor tinha porte meio esguio e trajava um manto negro que cobria parte do seu rosto - O que vai fazer conosco? - perguntou Elise, aos prantos, apertando seus joelhos.
- Se não pode me vencer - disse o homem tenebroso com voz cavernosa -, então junte-se a mim.
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CAPÍTULO 34: OS BONS E VELHOS TEMPOS
O barulho estridente do apito fizera Frank acordar sobressaltado dentro do seu carro. Um guarda de trânsito com farda marrom clara e chapéu de mesma cor sendo mais escuro batia no vidro. O detetive sentiu-se ter dormido por várias horas, não entendendo absolutamente nada do que ocorria e precisou de um tempinho para ajustar sua mente ao contexto.
Frank baixou o vidro do carro para dar atenção ao impaciente guarda.
- Peraí, vamos conversar. Não cometi nenhuma infração, tá legal? Não tem nenhuma placa de estacionamento proibido aqui perto. - disse Frank, reparando nas vestes do guarda e começando a ligar o seu desconfiômetro.
- Na verdade, senhor, não quero multa-lo, eu... - disse o guarda de porte truculento e rosto com maxilar avantajado fazendo uma expressão de confuso - Bem, o peguei dormindo nesse seu carro... moderno demais pro meu gosto.
- Quer dizer que só veio me perguntar sobre meu carro? - indagou Frank que logo em seguida decidiu sair do veículo, deparando-se estupefato com uma cidade de aspectos visivelmente antigos e datados - Em que ano estamos?
- 1929. - respondeu o guarda - Andou bebendo esses dias? Nada exemplar pra um detetive federal. - comentou o guarda notando o sobretudo de Frank.
Frank demorou uns segundos para exprimir uma resposta, visualizando as pessoas caminhando com roupas de uma moda claramente remetida ao ano mencionado pelo guarda. Um trio de mulheres portando sombrinhas, com vestidos azul, preto e bege que iam até suas canelas e chapéus cloche passavam pela calçada. As três lançaram olhares de estranheza e desdém.
- Talvez seja de uma bebida que preciso agora. - disse Frank, incomodado por estar em meio a um ambiente fora de época.
- Ei, já vai embora? Pelo menos me fala de onde você veio. Cidade pequena, nunca te vi pelas bandas.
- Sou natural de Vanderville. - disse Frank, virando-se para o guarda - Se me permite, tô indo nessa. Ah, não manda rebocar meu carro hein. Senão eu... prendo você. - disse Frank como se aquilo fosse a primeira coisa que viera à sua cabeça por não saber o que esperar da situação tendo em vista a época diferente.
O guarda ergueu uma sobrancelha, não compreendendo exatamente a justificativa para prende-lo caso realmente solicitasse o caminhão de reboque, o que para ele era desnecessário pois admirava o veículo enquanto Frank se distanciava.
- Rebocar um carro fantástico desses? Nem se a lei me obrigasse.
Na andança desnorteada, Frank achara um bar quase passando direto. Andou dois passos para trás, vendo pelas janelas o lugar estava relativamente vago. O interior do local não tinha muita classe como sua fachada sugeria.
- Bares com fachadas sofisticadas e interior mequetrefe... Tô vendo que é uma tradição daqui.
Frank escolheu aleatoriamente uma mesa desocupada no ponto mais discreto possível, sentando-se e pegando seu celular com todo cuidado para não o perceberem. Porém, o aparelho não dava sinal de vida.
- Ah é, eu devia imaginar, sou um tremendo idiota. - reclamou ele, insistindo para ligar o celular - Não tem antena de telefonia móvel nessa época, obviamente. - guardou-o - Dimensão alternativa... descartado. Voltei no tempo assim que cruzei a fronteira? Atravessei um portal invisível? A coisa que perseguia a Elise... - tocou na sua nuca lembrando-se do golpe de cotovelo que levara do misterioso homem encapuzado - Antes que eu percebesse, ela tentou me avisar.
- Algum problema aí, amigo? - perguntou gentilmente um rapaz de cabelo preto curto e olhos verdes que tocara no ombro esquerdo de Frank.
- Não, ahn... Honestamente, vários problemas.
- Me chamo Theodor. Theo pros mais íntimos, mas você também pode chamar, se quiser. - disse ele, sentando-se na cadeira diante de Frank - Não vai pedir nem um copinho d'água? Ou só veio pra ficar falando sozinho?
- Você é o quê? O garçom? É que esse lugar é meio xexelento pra garçons vestirem algo mais adequado.
- Filho do dono. Ele ficaria bem ofendido, por sinal. Mas não se estresse, se estiver perdido achou o refúgio ideal.
- Não consideraria assim... mas até que não é tão ruim. Eu sou o Frank, tô enroscado num caso de desaparecimento.
- Eu sabia, você é mesmo um detetive e chamou minha atenção por esse sobretudo diferente dos que usam os integrantes da Divisão Policial. - disse Theo, observador - Evidente que você não é um deles. O mais estranho é você estar investigando por aqui.
- Ué, o que tem de errado nisso?
- Acontece que os detetives credenciados de Bellmurd atuam sem tirar o pé do território e é difícil concederem prerrogativa pra jornada de trabalho em outras cidades. Você teve muita sorte, pelo visto.
Frank não soubera o que dizer rapidamente, então viu naquilo a oportunidade de favorecer uma mentira.
- Sim, exatamente, foi isso que aconteceu. Estou aqui em missão formalmente concedida pelo governo. Eu... ainda não contactei a divisão policial daqui de Bellmurd. Cheguei à poucas horas.
- Meu irmão mais velho trabalha lá há cinco anos. Privilégio de filho favorito. - disse Theo, não muito contente ao falar do irmão - Mas posso ajudar a se situar melhor. Dar uma ajudinha de por onde começar.
- Você conhece o chefe da divisão?
- Só de nome e de vista, é um dos chefes policiais mais proeminentes do estado, ficha limpa, ganhador de prêmios e umas medalhas, acho que você vai gostar dele. Não sei quanto ele em relação à você. Desculpa, como disse que se chamava mesmo?
- Frank. Frank Montgrow.
- O quê? Montgrow? Não é possível... - disse Theo, expressando surpresa.
- O que foi? Tá assombrado pelo quê? - indagou Frank com um sorrisinho leve, não entendendo.
- O seu sobrenome... Tem parentesco com o chefe de polícia?
- Qual o nome dele? - quis saber Frank, a voz e a face tensas.
- Archibald Montgrow.
O primeiro nome, contudo, não era nada reconhecível para Frank. Somente existia um único parente a carregar o sobrenome da linhagem que ele lembrava de ter trabalhado em Bellmurd, mas não chamava-se Archibald... e sim Harold, o seu bisavô.
***
Um casebre decrépito no meio de uma pequena floresta aparentava ser um ambiente ideal para se invocar um demônio privado de qualquer vista flagrante ou observadora. Foi pensando nisso que Fred se direcionou ao bosque trazendo uma cuia, um spray de tinta vermelha, um saco de veludo e uma caixa de fósforos. O detetive prioritário do DPDC saiu do seu Fiat Palio preto com o material, olhando ao redor enquanto andava até a casa pouco convidativa. Primeiro afastou a sujeira do chão com os pés e em seguida agitou o spray. Desenhara um círculo tomando cuidado para que fosse o mais redondo possível.
A parte relativamente mais simples seria fazer as linhas do pentagrama. O segundo passo consistia em depositar a cuia no centro do símbolo na qual derramou cinzas de uma cadáver cremado. Por fim, riscou o fósforo, jogando-o sobre as cinzas na cuia. O contato do fogo com as cinzas produziu uma fumaça que explodiu subindo no ar, dando para entrever a figura de uma bela mulher. Fred a encarava, a fumaça dissipando e deixando à mostra sua "convidada".
- Fico contente por ver que deixei saudades. - disse Lilith, a face sacana - Ser invocada é um privilégio vindo de quem me entrosei tão bem. Ah não, um momento... Acabei de lembrar que você maculou com nosso trato desviando da sua rota.
- É que na hora apareceu um compromisso de urgência. Mas que serventia isso tem agora? Não tô em débito com você, afinal conseguiu o que queria. - disse Fred - Se reaproximou do Malvus, não foi? Apenas férias conjugais, eu sabia.
- Digamos que estou o enrolando na minha teia sem que perceba. - disse Lilith, que usava vestes mais leves como uma blusa branca de mangas curtas, calças jeans e botas, dando uns passos pela casa - Interesses em comum nem sempre significam aliança. Ás vezes uma concorrência velada. Não pense que minha função nessa guerrinha de ególatras demônios e anjos é ficar assistindo de camarote.
- Eu sei que não é. Vai querer dar uma rasteira no seu maridão quando ele acreditar que ganhou o jogo. - disse Fred - Se ele morrer, você se apossa de tudo? Até do trono que ele ostentava? Ou é você quem planeja mata-lo indiretamente?
- Não defini meus planos e meu problema amoroso não diz respeito à você, então pode ir falando a razão de eu ter sido invocada. Estava ocupada com meus cupcakes recheados de vísceras de animais e... algumas de humanos também. Você é um monstro, posso te mandar uns pra experimentar, estão deliciosos, sinto derreter na boca só de pensar...
- Depois de ouvir isso meu estômago embrulhou e tô quase considerando virar vegetariano por medo da minha fome chegar a esse ponto. - disse ele, expressando desconforto - Eu causei um enorme estrago na festa da minha assistente, ouvi uma voz sussurrando na minha cabeça, me induzindo a cometer atrocidades e... assassinei várias pessoas de formas terríveis.
- E o que quer que eu faça? - indagou Lilith, parecendo pouco ligar - Podia invocar um centurião.
- Nem ferrando. Eles querem minha alma lançada no inferno, todos eles. Correria o risco de me tornar um prisioneiro e o Frank ficou amigo de um deles, além do Frank com certeza saber da matança que fiz na casa da Carrie, é óbvio que ele pretende me caçar. A úncia opção disponível que pensei foi você, por mais desastroso que isso no fim das contas provavelmente seja pra que eu me arrependa pelo resto da vida.
- Ah, não faça drama. - disse Lilith, o olhando com sua malícia - Você não consta na minha listinha negra. O que pedir, farei.
- Quanto vale o seu silêncio pra me ajudar no controle do meu... lado negro? - perguntou Fred, sério.
- Meu silêncio não tem preço, desde que você não desmanche esse novo pacto respondendo perguntas que me coloquem em maus lençóis. Malvus tem um sexto sentido ímpar, se ele detecta um minúsculo detalhe estranho, não tem escapatória.
- Eu juro se você jurar primeiro. Mesmo sabendo que voltou aos braços dele pra apunhala-lo nas costas. Quero ver até onde vai essa sua lealdade de serpente. - declarou Fred, assumindo postura mandatória.
- Feito. - disse Lilith, dando de ombros, mas o olhar penetrante e maldoso mantendo-se - Eu juro.
- Eu juro. - disse Fred, esforçando-se para não ficar refém da ansiedade - Se eu sou uma criatura, gerada por um anjo caído e um humano, então certamente herdei características de ambos. Mas só manifestei as do meu lado mal. E o outro? Está adormecido em algum lugar da minha alma? Como posso acessa-lo se não for possível dominar o... o outro cara?
- Eu não vou te dar uma aula de genética híbrida, portanto serei direta, mas não muito convicta. - disse Lilith, aproximando-se de Fred sem pisar no pentagrama - Até existe um meio de controle, mas depende somente de você, é claro que odeia esse monstro e também a influência que Malvus tem sobre essa parte, eventualmente você consegue. Mas em relação ao lado angelical, há uma forma de desperta-lo, embora discutível. Levando em conta que aquela overdose de elixir que você tomou acabou despertando a transformação completa, é provável que uma fórmula inversa estimule o outro lado.
- Aonde consigo os ingredientes pra essa fórmula? Aliás, quais e quanto são?
- Não, deixa por minha conta, Malvus tem uma lupa gigante sobre você praticamente o tempo todo. Eu me esgueiro fácil, bastam algumas horas e trago prontinho. Nada mais que três elementos. Dois deles estão na Terra Negativa e o terceiro aqui neste mundo. Uma pedra preciosa parecida com um diamante negro, um pouco de água tóxica e sangue de anjo caído.
- Como acha que vai conseguir sangue do Malvus tão facilmente? - indagou Fred, descrente.
- Sexo selvagem. - respondeu Lilith, sorrindo confiante, logo desaparecendo numa velocidade imperceptível.
***
Numa loja de roupas para a qual Theo conduzia Frank para ficar mais apresentável como um detetive "turista" ao exigente chefe da divisão policial, o rapaz, sentado num sofá de couro preto, esperava-o sair do provador com o visual escolhido. Frank, meio envergonhado, mostrava-se trajado com o terno, chapéu e calças cáqui, camisa branca com listras verticais e uma gravata vermelha.
- Agora finalmente está vestido á caráter. - disse Theo - Acho que seu tio terá uma boa impressão.
- OK, senhor consultor de moda. Agora deixa eu te falar sobre o desaparecimento que investigo...
- Não em voz alta, por favor, as paredes tem ouvidos. - disse Theo, levantando-se e aproximando-se de Frank - É que esse tipo de evento é meio raro na cidade. Quem desapareceu? Não, espera, acredito que você não devia confidenciar informações desse caso pra um desconhecido. A menos que você confie tanto em mim que não liga de descumprir o protocolo.
- Não tem protocolo nenhum, só quero saber se você tem alguma noção básica porque de repente algum detalhe levar a associações, coisas que podem ser lembradas e conectadas. É o seguinte: Uma garota chamada Elise invadiu o hotel, o Plaza Casta, na noite de ontem, e entrou em contato comigo pra socorre-la de um perseguidor. Sumiu sem deixar vestígio.
- Por que ela invadiria o Plaza Casta? E tem mais: Se houvesse um desaparecimento, teriam cartazes espalhados em tudo quanto é parede. Um amigo ou familiar daria uma descrição à polícia. Como ela é fisicamente?
- Cabelos castanhos, branca, lábios carnudos e ela não é de Bellmurd. Viu como sou ótimo nessa de descrever pessoas?
- Eu fui entregar meu currículo hoje cedinho no Plaza Casta e vi uma camareira de cabelo castanho e lábios carnudos. Ela não me notou, mas também não pude gravar seu rosto. - informou Theo, praticamente aos sussurros - Se bem que marcaram minha entrevista para ainda hoje. Furei com o meu já ex-futuro chefe pra te ajudar a lidar com o chefe de polícia.
- Não precisava se importar. - disse Frank, sentindo-se mal por ele.
- É claro que sim, você estava perdido, sem rumo, o mínimo que eu podia fazer pra melhorar seu dia era estender minha mão. Sinceramente, dane-se a entrevista, dane-se o emprego de ascensorista de elevador, seria apenas um preenchimento de vazio interno que compensaria nada. Com meus pais me resolvo depois depois. Eu não vou desistir de você.
- Mas tem que aprender a não desistir de si mesmo. Eu tô grato, só que não gostei nada de você abrir mão de uma oportunidade de trabalho por mais que não orgulhasse seus pais ou o seu irmão.
- Vamos ficar discutindo minha vida pessoal ou agir pra solucionar o mistério? Vai até a divisão policial enquanto vou no hotel conferir se tem uma Elise trabalhando. O que me diz?
- Tá ótimo. Me deseje sorte. - disse Frank, andando para sair.
- Espera por mim. - disse Theo apertando o passo atrás do detetive - E eu também preciso de sorte.
Frank, após vinte minutos de trajeto, conferiu o endereço numa placa prendida a um poste. Ao menos os olhares incômodos cessaram. O detetive desviou sua visão para o prédio da divisão policial, respirando fundo antes de dar o próximo passo rumo à porta principal. A tensão dominava em cada movimento.
Ao aproximar-se da porta do gabinete do chefe de polícia, deu umas batidinhas com os dedos.
- Se for inconveniente no momento, talvez eu deva voltar mais tarde. - disse Frank em voz alta.
- Não, está tudo bem, entre. - disse uma voz grave. Frank adentrou na sala, cravando os olhos na figura do seu bisavô no auge de seus quarenta anos. O homem caucasiano de face robusta com linhas de expressão visíveis e cabelo preto penteado para o lado ergueu o olhar severo para o detetive que ficou parado fitando-o pouco à vontade - Eu não tenho o resto desse turno pra deixar você me observando com essa cara espantada. Diga a que veio logo, não temos o tempo necessário.
- Eu... - disse Frank, interrompendo-se ao lembrar de fechar a porta - Bem, eu me chamo Frank, diretamente de Vanderville autorizado a investigar as circunstâncias que levaram a um desaparecimento aqui em Bellmurd na noite de ontem.
- Pois bem... Sr. Frank... - disse Archie, estreitando os olhos.
- Ahn... Ness. - respondeu ele, altamente nervoso - Frank Ness.
- Distintivo, por favor. E, claro, a autorização por escrito do seu dirigente,
- Desculpa, mil desculpas, é sério... Acabei esquecendo no carro, estacionei muito longe, porque o combustível esgotou... e vim pra cá na maior pressa. o senhor não vai confiar num irresponsável desses, né?
- Geralmente lidamos com ocorrências menos graves. Furtos e roubos engenhosos. Mas já que trouxe algo inédito, penso em integra-lo à equipe. - disse Archie, as mãos entrelaçadas e os cotovelos apoiados na mesa - Você deve ser praticamente um novato ainda. Tem toda minha atenção.
- Eu nem sei como agradecer a compreensão. - disse Frank, meio encabulado - Sobre o caso... - pigarreou forte - Estou atrás de uma jovem chamada Elise Doyle, ela se deslocou a pé e ligou pro meu gabinete dizendo que estava sendo perseguida. Ela se refugiou num hotel inativo, o Plaza Casta, onde não a encontrei.
- Sua história tem mais buracos que espremedor de batatas. - disse Archie, recostando-se na cadeira.
"Ei, eu já soltei essa piadinha uma vez.", pensou Frank, surpreendido.
- O que é tão estanho quanto, Sr. Montgrow, foi conhecer hoje de manhã, um rapaz que disse ter enviado um currículo para trabalhar de ascensorista no hotel. Loucura isso, não? Até parece que acordei num universo paralelo ou viajei no tempo. Aí está o grande furo da história. Tenho certeza do que digo.
O hotel foi reinaugurado há dois dias, por isso estão abrindo vagas. - salientou Archie, soando frio - Além do mais, no caso de um desaparecimento normalmente a informação se propaga rápido. Como sua amiga fugiu do perseguidor indo para o hotel que você alegou estar inativo se o funcionamento é de 24 horas? São detalhes que contradizem sua versão.
- Tá legal, chega de rodeios. Tem algo que preciso confessar sobre mim e acho importante que o senhor acredite.
- Quieto. - disse Archie, levantando-se e dirigindo-se ao seu armário, Puxara uma gaveta retirando um volumoso fichário.
- O que é isso? - indagou Frank, o cenho franzido - Não vai dar uma chance pra me ouvir?
- Ouvi o suficiente. - disse Archie entregando o fichário nas mãos do detetive - Você está lúcido? Talvez reforçar na cafeína e um bom exercício teórico ajude a clarear suas ideias.
- Não tô entendendo. O que quer que eu faça num momento tão crítico? Uma pessoa desapareceu nesta cidade, não é mentira.
- Você vem de boa-fé e me traz uma história incoerente. A pergunta que fez na verdade é minha. Não tem caso se não houver lógica e sem lógica é impossível traçar um curso de investigação. Isso é um compilado de questionários que via de regra nossos mentores usam nas sabatinas. Vá para a sala reserva de temporários e conclua em menos de... - verificou no relógio de parede - ... treze horas.
Archie tocou nos ombros de Frank e delicadamente o empurrava na direção da porta.
- Não me obriga a implorar, por favor.
- Não quero que implore. Quero que produza. - disse Archie pondo-o para fora - Não volte à minha sala até ter terminado. - fechara a porta que fez um baque rude. Frank admitia que o temperamento do seu bisavô era um obstáculo inaplacável.
- Vai ser mais brabo do que pensei. - disse ele, intimidado com a postura inflexível do bisavô.
***
De fora da casa, Fred persistia nas tentativas de ligar para Frank, mas nenhuma promovendo um sinal, dando como "número inexistente". A última saída foi telefonar para Carrie que acreditava possuir alguma resposta concreta para tal mistério.
- Carrie, desculpa te incomodar no meio do trampo, mas é que o Frank não atende minhas ligações, o número para o qual tô ligando não existe. Sabe me dizer se ele trocou de celular dia desses?
- E-eu continuo falando com ele pe-pelo mesmo nú-número... Ahn... Eu não tenho ideia...
O detetive franziu o cenho balançando a cabeça lenta e negativamente.
- O que foi, Carrie? Algum problema aí?
- Não, tudo normal... ou quase normal, mas tudo bem. Por que a pergunta?
- Você pareceu... gaguejar. Tá nervosa? Toma um chazinho quando chegar em casa.
- Agradeço a preocupação. - disse ela, secamente - Deve ser o estresse intensificado. Trabalhar com você tem sido difícil.
- Entendo. - disse Fred, desconfiando do que se subtendia da fala de Carrie - Me faz um favor: Liga pro Frank, você disse que o número continua o mesmo...
- Espera só um minuto... - disse a assistente, discando o número do amigo.
- E aí, dá ocupado, fora de área ou não existe? - perguntou Fred, ansioso.
- Que estranho... O número do Frank sumiu, o que significa que ele também sumiu. Ah, essa não...
As folhas no solo voaram com uma corrente de vento, fazendo Fred virar-se na esperança de que Lilith tivesse voltado, entretanto a surpresa não podia lhe ser mais desagradável justo naquele instante.
- Carrie, obrigado pelo favor, a gente se vê mais tarde, tchau. - disse ele, a fala rápida, em seguida encerrando a chamada não desviando o olhar acusador direcionado à Adrael parado diante dele com uma expressão austera - O que você quer?
- Vim interroga-lo sobre os primeiros danos que provocou. - disse Adrael - Mas preciso que se renda. Prometo não ser hostil.
Fred esboçou uma postura insegura, dando indícios faciais de raiva, embora procurando manter o suficiente de sua calma.
Defronte à posição ameaçadora do serafim, Fred sentia suas pernas trêmulas prevendo uma iminência de que ele viesse a extrapolar e entrar em desacordo com o que prometeu.
- Essa floresta tem uma área bem vasta, mas é melhor não sair correndo fugindo do que você não pode escapar. - disse Adrael, insinuando que quebraria linha do diálogo se ele tentasse evasão - O que veio fazer aqui?
- Dá o fora daqui. Acha que te devo alguma satisfação sobre o que escolho ou não fazer?
- As suas ações precisam ser monitoradas, você abriga um poder destrutivo, sendo assim nada mais justo que barrar seus caminhos para que não tenha recaídas.
- Agora que me encontrou resolveu decretar minha prisão preventiva. É idiota de pensar que vou entregar meus pulsos voluntariamente pra ser levado sob custódia com a desculpa de "é pro seu bem"?
- É para a segurança sua e de todos com quem convive. - retrucou o anjo.
- E o que vem depois? - perguntou Fred com rispidez - Deixa eu adivinhar... Pena de morte pós-julgamento?
- É uma ideia que estudamos. Mas por ora o seu confinamento, dependendo do tempo que for necessário, é a prioridade até que uma reunião com todas as classes de centurião seja formalizada. Não compete a mim ater o martelo, especialmente com relação a um ser como você.
- Eu mereço a morte pela maldição de ter nascido um monstro? Que culpa eu tenho? Vocês são desprezíveis.
- A sua detenção pode ser atrasada com uma condição. - disse adrael incorporando pacifismo.
- Suavizou de repente. Desiste, não vou cair nesse truque manipulador.
- Manipulação é o que você está sofrendo com Malvus. Aliás, é exatamente dele que quero saber. - afirmou o anjo tomando cada vez mais aproximação com Fred. Lilith havia regressado naquele momento portando uma tigela pequena de barro, um frasco de vidro com a água tóxica coletada da Terra Negativa e a pedra preciosa. A esposa de Malvus ouvia a discussão e se escondera numa árvore ao avistar Adrael - Por que se submeteu a obedece-lo? A que benefício?
- Eu não tô de rabo preso com ele por vontade própria! - vociferou Fred - O máximo que posso falar é que tem uma coisa perturbadora me impedindo de dar com a língua nos dentes, minha boca além disso é um túmulo.
- Ele te coagiu, isso é óbvio, mas a questão é o que você tem a perder se rescindir o pacto.
- Para de me amolar, você tá querendo me irritar de propósito... e dar uma boa razão pôr uma coleira no meu pescoço. - disse Fred, suando pela instabilidade emocional.
Enquanto isso, Lilith preparava o elixir reverso que teoricamente iria aflorar a parte latente e pura do nefilim. A demônia agachou-se, colocando a pedra negra na palma da mão esquerda e a derreteu com termocinese liquefazendo-a numa pasta viscosa e quente que derramava sobre a tigela. Depois misturou à água tóxica dentro do frasco com o sangue de anjo caído, evidentemente o de Malvus, por último. Mexera levemente e fechara o frasco com a tampinha. Deu uma olhada para verificar a situação entre Fred e Adrael que permanecia com ânimos exaltados.
- Lamento, Fred, você não me dá alternativa. Eu podia calcinar seu corpo aproveitando sua vulnerabilidade humana, é mais simples do que enfurece-lo. - disse Adrael.
- Não encosta em mim! - disse Fred, tirando as mãos do anjo antes que tocassem seus ombros.
- Então diga a verdade. - insistiu Adrael - O que você quer proteger em troca de servidão à Malvus?
- Ele já não pediu pra parar? - disse Lilith aparecendo uns poucos metros atrás de Adrael que virou-se.
- Quer mais um motivo pra me trancafiar numa cela? Ela tá comigo. - disse Fred sem temer a reação do anjo.
- Estava esperando por ela?! Pra quê?
- O interrogatório acabou, você pode chispar daqui, o meio-sangue e eu temos assuntos bem particulares a tratar. A conversa estava boa de ouvir, mas me senti obrigada a intervir como um Deus Ex-Machina. Curiosamente não escutei você mencionar a arma super-secreta criada pelos ofanins.
- O quê? Que arma secreta? - questionou Fred.
- Vou faze-la engolir as palavras e farei isso queimando sua língua. - disse Adrael, seu olhos brilhando em branco, pretendendo investir com ela. Porém, Lilith o repelira com as mãos usando telecinesia, mas o ataque sequer o derrubou, apenas o empurrou a uma curta longitude -Você é mais capaz do que isso. Com medo de toda sua força não adiantar?
- Não tô afim de pegar pesado. Vai continuar omisso sobre a tal arma? O que era mesmo? Ahn... um tridente?
- Chega, pare, entendi sua intenção! - disse Adrael, exasperado - Diga o que quiser do tridente, você, Malvus ou qualquer um jamais terão chances de localiza-lo. É um item sagrado, só um predestinado pode empunhar.
- Adrael, esquece isso por hoje, o que a Lilith quer fazer por mim não diz respeito aos planos do Malvus. - disse Fred, tranquilizando-se - Queria impressionar seus amigos, ganhar um crédito, mas vai voltar pra casa de mãos abanando.
- É isso aí, emplumadinho, ele não vai trocar seis por meia dúzia. - ressaltou Lilith, os olhos azuis mordazes fixados no anjo.
- Espero que se arrependa do erro que acabou de cometer. - disse Adrael, logo desaparecendo da vista dos dois.
Fred respirou de alívio e Lilit retirou o frasco do bolso da calça.
- Bem, imprevisto contornado, finalmente aqui está. - disse ela entregando o frasco à Fred que segurou-o mas hesitantemente - Não tem nenhum centurião bisbilhoteiro escondido, eu acabaria com todos.
- Pode matar centuriões? - indagou Fred.
- No meu alcance, serafins. Pois é, não se pode ganhar todas mesmo sendo um demônio excepcional.
- OK, valeu pelo elixir invertido. - disse ele, virando as costas para ir embora.
- Ei, não vai beber agora? Recompensaria o meu esforço. Tá, vamos aprimorar esse trato. - disse ela, aproximando-se dele - Você toma o elixir no tempo que desejar e retribuo com o tridente pra você não dividir com ninguém.
- Roubar o tridente? Adrael foi bem claro, não senti blefe vindo dele, essa coisa pode estar num local de acesso muito mais restrito do que imaginamos. Tem que aprender a fazer promessas que estejam dentro das suas possibilidades.
- O mesmo digo à você. Eu entendo sua falta de confiança em mim. No fim das contas, tenho certeza que sua intuição vai prevalecer ao meu favor. Digo, ao nosso favor. Pronto pra deixar de ser o faz-tudo do Malvus?
- É cedo demais ainda. - disse Fred, segurando o frasco com mais firmeza. Lilith expressou uma sorriso fechado de satisfação, mas que lá no fundo provocava a desconfiança, e desaparecera. Fred baixou os olhos para o frasco contendo o líquido vermelho escurecido - Isso vai ter que esperar. Eu que não ponho minha não no fogo.
***
No seu gabinete provisório, Frank vislumbrou uma salvação no telefone rudimentar da época. Pegara o fone e pôs o dedo no disco para fazer uma chamada ao número do aparelho fixo da sala de Carrie. Discou impacientemente e aguardou.
O alentava ouvir a voz da assistente, fazendo-o sentir-se menos sozinho.
- Carrie! É o Frank! Caramba, não dá pra acreditar. - disse Frank, sorrindo - Dá certinho pra telefonar daqui pra sua sala, isso risca a teoria da viagem no tempo. Me escuta atentamente, tô ferradíssimo.
- Frank... Ma-mas aonde você se meteu? O Fred ligou pra mim pedindo que eu ligasse pro seu celular, mas dava como inexistente. Você tem reclamado dele ficar enchendo seu saco com ligações e mensagens a todo instante. Independente dele ser uma aberração paranormal, e me parte o coração dizer isso mesmo sendo verdade, acho que não adianta negar o pedido por uma simples conversa amigável.
- Continuo avaliando se é prudente ou não aceitar. A resposta vai demorar pra sair. Mas vamos esquecer o Fred por enquanto e fazer como nos bons e velhos tempos de detetive especial e assistente. Sabe a ligação que interrompeu nosso papo de ontem à noite? Era uma garota chamada Elise, aquela da possessão demoníaca do namorado que a traiu com a melhor amiga. Me ligou desesperada querendo que eu viesse à Bellmurd salva-la num hotel que ela invadiu, o Plaza Casta.
- Hotel Plaza Casta.. - disse Carrie, seus dedos velozes digitando no teclado.
- Ela fugia de um perseguidor, mas quando entrei não vi sinal dela. A encontrei no escondida no elevador, parecia bem abalada. Alertei ela sobre a vida de caçador, mas ela teimou pensando que tem peito de aço pras consequências. Mas não deu tempo de salva-la, levei uma cacetada na nuca e desmaiei pra acordar no meu carro como um estranho numa terra estranha e antiga, bem antiga.
- Frank, esse hotel está fechado há 90 anos. Bellmurd nunca mais acomodou hóspedes desde o incidente com o atentado à bomba de terroristas insanos que migravam de cidade em cidade para saquear e matar. Cerca de 84 mortes, um dos bandidos foi o kamikaze que detonou a última e mais destrutiva bomba. Não tem uma alma viva que não passe reto desse lugar pelos rumores de aparições fantasmagóricas, por causa disso jamais vai ser reaberto ou reestruturado.
- Fui meio desatento nas marquinhas de queimado no chão e nas paredes, eles não seriam uma lembrança tão vaga se eu não focasse no resgate da Elise. Alguma vez ele foi reinaugurado?
- Estranho você perguntar. Bem... Sim, houve uma reinauguração em 05 de junho de 1929.
Frank conferiu a data do dia presente no calendário de mesa. Os dias anteriores estavam circulados com caneta, menos do dia 07 em diante.
- 07 de junho. - disse ele, baixinho - Meu bisavô falou que a reinauguração foi há dois dias.
- Como é? Seu bisavô?! Mas você nunca o conheceu porque... obviamente ele tá morto. Que papo é esse, Frank?
- Conheci ele hoje. É o chefe de polícia da cidade, consegui chegar nele com a ajuda de um rapaz que casualmente estava pra trabalhar no hotel, mas largou a vaga só pra me quebrar o galho, ele tem um irmão mais velho que integra a equipe da detetives. Ouviu bem que falei sobre a teoria da viagem no tempo descartada, né? Da noite pro dia acordo no passado e finalmente conheço meu bisavô.
- Quase que literalmente preso no passado. Não é viagem no tempo se é possível ligar pra locais fora da cidade no tempo presente. Então você... está no presente e ao mesmo tempo no passado. Argh, minha cabeça tá latejando.
- Prefiro queimar neurônios lidando com meu bisavô temperamental. Eu nem sabia que ele tinha dupla identidade. Sempre pra mim foi Harold Montgrow e não Archibald. Será que é costume familiar usar nomes falsos? Será que nunca chamei meu pai pelo verdadeiro nome? Enfim, de qualquer forma, tenho que fazer o trabalho que ele me ordenou pra acabar daqui à oito horas e se eu insistir com o caso depois que eu não convenci ele, aí adeus caso, a coisa bizarra pinta o sete, o meu carro vira a oitava maravilha do mundo e eu fico estagnado com um monte de pontas soltas.
- O nosso cara é certamente o agressor que te apagou. Não dando pra convencer seu avô agora, tenta amanhã. Mas, ao meu ver, não precisa dele pra resolver essa parada maluca. Você tem experiência de sobra pra fazer tudo sozinho.
- Eu não tenho tanta certeza. - disse Frank, desencorajado - Parece ter minha idade nesse ano, mas principalmente o quádruplo da minha competência. Gostando ou não, ele é o parceiro de caçada certo pra essa situação. Volto aqui amanhã e te ligo de novo. Ele é um fantasma e vou descobrir o infeliz que tá se aproveitando da alma dele e de todos dessa cidade.
As oito horas decorreram vagarosamente. Frank, na calada da noite, vinha andando até seu carro com o corpo estafado, o terno sobre o ombro esquerdo e chapéu segurado na mão direita.
- Que bom, nenhum arranhão. - disse ele vendo o estado da lataria e nos vidros.
Sem dinheiro para estadia, restava o carro para servir de abrigo. Frank entrara no veículo, dando um suspiro com a boca para externar seu cansaço e deitou-se nos bancos da frente. Poucos minutos bastaram para que adormecesse profundamente. O som do apito invadira seus ouvidos estremecendo os tímpanos e levando a um despertar abrupto.
- Tá de zoeira comigo... - disse Frank logo chutando a porta do carro.
- Bom dia flor do dia. - disse o guarda de trânsito sorrindo irônico - Seu carro é tão espetacular que deve mesmo dar vontade de dormir nele ou exagerou na bebida. Ah, é um detetive. Que vergonha pra profissão.
- Vê se não me estorva. - disse Frank, saindo do carro ainda um pouco sonolento - Mas obrigado por não mudar de ideia sobre o reboque.
- Reboque? Que reboque? Por que eu mandaria rebocar um carro sensacional desses que parece ter vindo do futuro?
- É porque veio mesmo. - disparou Frank, não importando-se com a reação - Espera um pouco aí... Não lembra de ontem?
- De você e sua máquina do tempo, não. - respondeu o guarda, confuso - Se ainda estiver alcoolizado, não pode dirigir.
Naquele momento as três mulheres com sombrinhas passavam conversando na calçada, porém ignoraram Frank.
- É exatamente igualzinho à ontem. - disse ele, apreensivo - Não, não pode ser... - andou à passos rápidos, afastando-se do guarda, caminhando pelo percurso em direção ao bar no qual conhecera Theo. Ao aproximar-se de lá, o vira saindo do estabelecimento e o parou tocando-o no ombro quando ele passaria sem nota-lo - Ei, Theo. Como foi lá no hotel? Tem uma camareira cujo nome é Elise?
- Elise? Do que tá falando? Quem é o senhor? - perguntou o rapaz, erguendo uma sobrancelha.
- Ahn... Me desculpe, confundi com outra pessoa. - disse Frank, desconcertado. Deixou Theo ir embora e ficou a pensar no que significariam as repetições - Que merda bizarra tá acontecendo aqui?
A próxima parada seria na divisão policial. Daquela vez Frank não pediu licença para entrar no gabinete de Archibald.
- Opa, nada de sermão, agora é papo reto. - disse ele, fechando a porta e tomando proximidade com o bisavô que levantou-se alarmado com a repentina chegada - Eu sou Frank Montgrow, seu bisneto que seguiu o legado da família depois que seu filho e neto morreram quando foram caçar a maldita besta de Vanderville. Sinto informa-lo, mas o senhor está morto.
- Eu vou pegar esse telefone... e solicitar uma ambulância do sanatório, seu maníaco. - disse Archie.
- Não vai não. - disse Frank, barrando a mão de Archie antes que ele tocasse no telefone - Tá vendo minhas roupas? Apropriadas ao ambiente de trabalho dos detetives oficiais. Tudo começou com um desaparecimento que eu investigava, mas nada se desvendou. Eu sei que pode acreditar, não tem nada surreal que um caçador veja como uma bobagem ou historinha pra assustar criança. Sou um Montgrow. Seu descendente. - reparou num porta-retratos com a foto em preto e branco de uma criança segurando um balão - Quem é o garoto?
- Meu filho. - disse Archie - Ronald.
"Achei que diria Bartolomeu", pensou Frank, surpreso ao descobrir que seu avô também aderiu à identidade falsa na carreira.
- Olha... É complicado processar tudo isso, tô enfiando uma penca de verdades goela abaixo. Mas preciso do senhor, da sua experiência, pus o pé nessa cidade à noite e amanheci como se tivesse voltado noventa anos no tempo. Alguma coisa sobrenatural tá fazendo você e o resto dos cidadãos de Bellmurd acreditarem que estão vivos. O único jeito de desmanchar a farsa é caçando... juntos.
- Meu próprio bisneto... viajou no tempo pra salvar minha alma. Por que não acreditaria?
Frank baixou a cabeça, tentando com esforço não estourar a paciência.
- É isso aí. - respondeu ele, optando não reafirmar que o bisavô estava morto assim como os habitantes da cidade - Parceiros ou não?
- Uma boa ida na biblioteca pode nos esclarecer tudo. - disse Archie, provando sua confiança - Tenho uma ideia do que seja.
***
Na biblioteca, Archie largou um livro pesado sobre a comprida mesa de madeira.
- Hum, mitologia grega. - disse Frank, interessado - Estamos em busca de um deus? Mas divindade existe apenas uma.
- Não propriamente uma divindade com poderes onipotentes. Diria que é mais qualificado como uma entidade com propósitos específicos e recursos limitados, mas poderosa o bastante para causar danos terríveis. - disse Archie, abrindo o livro e folheando-o - O nosso monstro é uma espécie de força dominadora do tempo. - parou de folhear, acertando a página e apontando-a - Kairós, o deus do tempo oportuno. Conta-se que uma civilização na Antiga Grécia elaborou um plano para destruí-lo através de um feitiço com sigilo desenhado num objeto de valor e uma vez que o objeto sofre prejuízo Kairós é reduzido ao nada. Mas fracassaram miseravelmente e foram mortos, adicionados à lista de fantasmas que ele coletou para dar-lhes uma segunda chance de resolver assuntos pendentes.
- Um ladrão de fantasmas, é isso mesmo? O lance de segunda chance é um pretexto bem canalha. - disse Frank - É óbvio que manter fantasmas presos numa falsa realidade "pelo bem deles" - fez aspas com os dedos - não é um objetivo nobre, ele deve ter um interesse oculto, porque se tem uma coisa que nunca duvidei é que de boas intenções o inferno tá cheio.
- Ele não se desfaz dos corpos das vítimas. - disse Archie, lendo trechos da página - Temos um abutre divino e carniceiro pra caçar. Uma lâmina que os gregos armadores da cilada possuíam é capaz de retroceder o tempo e pode ser útil caso o plano dê errado. É ativada com um outro feitiço ligado ao do sigilo.
- Onde vamos pegar essa lâmina? Definitivamente não temos o dia inteiro, especialmente eu. - disse Frank.
- E se por ventura Kairós estiver na cidade? - deduziu Archie, pensativo - Estou imaginando o local mais óbvio em que ele possa estar escondido.
***
Frank e Archie se direcionavam para uma relojoaria indicada pelo bisavô do detetive como sendo o mais provável esconderijo de Kairós, por mais evidente que isso fosse dada a sua natureza.
- Mas é claro, uma lojinha pra consertar relógios. - disse Frank ao lado de Archie - Que belo disfarce pra um distorcedor de espaço-tempo.
- Muito bem, Frank, vou incumbi-lo de averiguar o que tem nos fundos. Eu vou distraí-lo.
- Como pensa que fará isso? A coisa é poderosa e esperta, é quase um deus. OK, não tão esperta, mas vale considerar todas as possibilidades, não querendo ser pessimista. Haja jogo de cintura pra manter o fingimento.
- Você fala engraçado, estranhamente é o que tem me feito gostar da nossa parceria. - disse Archie, dando um sorrisinho que Frank se satisfez em ver - Começo a crer que o legado segue em boas mãos.
Um sentimento de entusiasmo preencheu o âmago de Frank ouvindo tal elogio. O detetive usou o truque do grampo para destrancar a porta dos fundos da relojoaria, recebendo logo que entrou, uma lufada de odor pútrido vindo de um compartimento dentro do depósito. Retirou sua lanterna, cortando a escuridão. A luz banhou a porta velha do espaço que Frank soube ser dali que provinha o odor de carne putrefata. Tapando o nariz e lutando contra o enjoo, o detetive arrombou a porta com um chute.
Descobriu um amontoado de cadáveres em estado de decomposição avançada, repletos de moscas varejeiras e larvas. Frank passou a luz da lanterna neles, abismado. Mas ficou perplexo ao ver um corpo específico.
- Não... - disse ele, arregalando os olhos - Elise.
O corpo da jovem via-se desprovido de olhos, dando para ver a carne no fundo das órbitas oculares.
Archie saía da relojoaria e Frank voltava não contendo a expressão do horror.
- E então, deu ruim ou deu bom lá dentro? - perguntou Frank.
- Acertamos um conserto em domicílio. Meu relógio de pêndulo estimado em 500 mil dólares será o elemento crucial. Presente de um amigo.
- Gostaria de ter amigos assim também. - disse Frank associando a quantia paga pelo relógio e o tal amigo de Archie - Pra você deu bom, pra mim não. O desgraçado guarda uma pilha de corpos num depósito fedorento. Tá estocando comida pra se banquetear quando achar conveniente. E a pior descoberta foi o corpo de uma amiga minha. Ela se tornou fantasma, então não vou poder salva-la.
- É obrigação de um caçador bravo superar perdas dolorosas. - disse Archie - Eu superei a do meu pai. - ambos se entreolharam silenciosos por alguns segundos - Vá na minha casa as nove. Preparamos a arapuca lá. Dois Montgrows agem melhor do que um no confronto? Veremos hoje.
***
Na casa de Archie durante o preparativo para armadilha contra Kairós, que viria dentro de poucos minutos, Frank olhava o luxuoso relógio de pêndulo do bisavô. Archie de repente tirou do bolso do seu paletó a lâmina de que falaram.
- Essa é a tal lâmina? Estava com o senhor o tempo todo? - perguntou Frank, pasmo.
- Não se surpreenda tanto, tudo que fiz foi surrupiá-la explorando uma brecha. - disse Archie, confiante - Paguei 200 dólares num relógio de bolso, enquanto ele foi buscar, bisbilhotei nas gavetas e... - destacou a lâmina que tinha uma frase escrita em grego talhada no metal - Só uma pessoa viva pode banha-la com sangue. - entregou-a à Frank - Eu me rendi à verdade, quero reencontrar minha paz e ela nunca esteve aqui.
- Queria dizer que... é uma honra trabalhar com o senhor. - disse Frank, pegando a faca e fazendo um corte na palma esquerda. Derramou umas gotas sobre a inscrição. Archie recitava um feitiço para o sangue deslizar e preencher-se na frase até tingi-la inteiramente de vermelho. A campainha foi tocada - Cedo demais.
Frank fora atender. Kairós era um senhor de meia-idade com barba, óculos e cabelo mostrando uma calvície leve, vestindo um terno social cinza.
- Suponho que seja a residência do Sr. Montgrow.
- Sim, de fato é. Ele... - disse Frank, não abrindo tanto a porta - ... está o esperando. Entre, sinta-se à vontade.
Kairós entrava, visualizando o relógio de pêndulo que não transparecia defeito.
- Mas está funcionando perfeitamente. - disse a entidade que desviou o olhar para Archie, mas alterando para um cunho desconfiado - Ou não existe nada realmente para ser reparado.
- Acertou. - disse Frank, cruzando os braços numa postura de autoridade - A única coisa pra arrumar é a bagunça que você causou. Você tá encurralado, se rende ou a gente te manda pro limbo.
Kairós dava uma risadinha zombeteira, encarando Archie com escárnio e infâmia.
- A ingenuidade é uma característica exclusivamente humana. Os transformam em criaturas dignas de pena. - disse Kairós olhando para cima. Archie havia desenhado um sigilo de aprisionamento, um símbolo de infinito dentro de um círculo com vários linhas curvadas, contra Kairós no teto - Ingênuos foram esperando que eu caísse nessa estratégia vendo apenas o queijo e não a ratoeira. - fechou os punhos, exercendo um poder que produzia um tremor de terra. Frank e Archie se amedrontaram. O pequeno sismo criou uma rachadura no teto, partindo o sigilo em dois.
Impetuoso, Frank partira para cima de Kairós tentando desferir socos, mas a entidade esquivava-se dos golpes facilmente. Kairós dera uma cabeçada e em seguida uma joelhada na barriga de Frank que o jogou para cair numa poltrona. Archie tentava empurrar o relógio para derruba-lo, porém Kairós o parou incutindo-lhe uma dor interna que o fazia expelir ectoplasma pelos olhos e nariz. Frank levantou-se e viu o bisavô ser subjugado de joelhos perante ao poder da entidade.
- Fra... Frank! - disse Archie, sofrendo com pujança do golpe - Depressa!
- O que tá fazendo com ele, seu miserável?
- São os meus termos, Frank: Deixe-me ir e a alma do seu querido bisavô não é torcida até a última gota.
- Pra esperar até amanhã e refazer todos os meus passos? Vai pro inferno, sua desgraça! - disse Frank, ferrenho - Nenhum fantasma vai continuar sendo escravizado enquanto você devora umas carcaças. - sacou a lâmina do bolso do terno.
- A minha lâmina! - disse Kairós, abismado. Virou o rosto enfurecido para Archie- Você a roubou!
- Sua nada, pertencia aos feiticeiros que tentaram acabar com a tua raça. Quem é o ingênuo agora? - perguntou Frank, apontando a faca para seu peito.
- Não faça isso! - gritou Kairós, aflito. O detetive pouco ligou para o desespero e agiu prontamente, apunhalando o próprio peito. Um clarão dourado refulgiu da ferida e se propagou no ambiente até que nada mais pudesse ser visível. Com a diminuição da luz, Frank pôde reajustar sua visão, vendo-se novamente com Archie no momento que esperavam a visita de Kairós. Tocou no seu peito do qual não tinha marca ou ferida, nem sangue na camisa havia - Eu voltei.
- O quê? O que disse? - indagou Archie, acendendo as velas nos castiçais sobre duas mesas redondas e com pernas altas.
- Nada. - disse Frank, procurando não sinalizar uma reação que Archie suporia associando ao uso da lâmina. Frank olhou para a faca, a inscrição estava sem seu sangue - Só vamos dar um basta nisso logo. - fizera o corte na palma da mão, derramando o sangue nas inscrições, o que ouriçou Archie.
- Frank, como sabe que a lâmina necessita do seu sangue para o feitiço e por que está com você?
- Sem perguntas, diz as palavrinhas mágicas. Rápido, ele tá vindo.
Archie mesmo intrigado recitou o feitiço. O sangue enchia as letras talhadas pintando-as.
O toque da campainha os fez voltarem-se à porta.
- Se sou a única pessoa viva que pode restaurar a paz dos fantasmas, então vou agarrar essa segunda e última chance como minha própria vida. - disse Frank indo atender a visita - Olá... É o médico de relógios? - perguntou ele, falseando um sorriso sereno - Sou amigo íntimo do Sr. Montgrow, estávamos esperando.
- Você é o amigo que o presenteou com o relógio? Ou estou enganado?
- Err... Sim, eu mesmo. - respondeu forçadamente - Pode entrar, ele tá bem aqui esperando.
- Obrigado. - disse Kairós. Frank o esperou entrar para fechar a porta.
- Com meio milhão um relógio desses é a última coisa que eu pensaria em comprar. - disse Frank.
- À primeira vista, ele não me parece avariado. - disse Kairós, analítico - O pêndulo se movimenta normalmente.
- Exato. Zero defeitos. - disse Frank aproximando-se do relógio. Aplicou bastante força para derruba-lo. O relógio caiu de frente. Na parte de trás podia se ver o sigilo do feitiço contra Kairós desenhado por Archie minutos antes. Frank dera um pisão na madeira com o sigilo, criando um rombo - Mas agora não mais.
- Não! Seu ordinário! - vociferou Kairós, contorcendo-se, mal aguentando-se em pé. Seus olhos brilharam em amarelo e seus dentes tornaram-se presas afiadas. - O tempo universal está findando! O relógio do juízo final... marca apenas 100 minutos para o fim! Você, Frank, é uma peça de enorme importância pra impedir... um cataclismo sem precedentes! - avisou Kairós referindo-se ao perigo apocalíptico representado pelo nefilim. Archie e Frank assistiam impressionados com o rejuvenescimento acelerado de Kairós. Quando chegou ao estágio infantil as roupas ficaram bem frouxas, caindo no chão. A entidade regrediu para um bebê recém-nascido que chorava e seguidamente de feto para embrião e de embrião para uma partícula subatômica até por fim sucumbir à mais absoluta inexistência. Archie pegara os roupas, confirmando não ter sobrado nada.
- Ele se foi. - disse Archie - No fim das contas, a lenda provou-se real.
- Com reduzi-lo ao nada foi isso que quis dizer então. - disse Frank - Que loucura.
- Você agir rápido daquele jeito... significa que usou a lâmina. O que fizemos de errado?
- Não teve erro nenhum, o maldito foi intuitivo, sacou o plano assim que bateu o olho no relógio funcionando. - disse Frank, chegando perto do bisavô. As luzes da sala apagaram subitamente e na porta da frente uma luz intensamente branca resplandecia pela soleira e fissuras laterais - Chegou a pior e melhor hora. - o detetive olhou meio triste para o bisavô - Hora de voltar pro seu descanso.
- Não é um adeus, você também fará essa viagem e vou espera-lo. Mas faça com que não seja tão cedo. - disse Archie. Carregado de emoção, Frank o abraçou, fechando os olhos apertadamente dos quais brotaram lágrimas. O abraço se deu longo e afetivamente forte. Cada fantasma trazido à falsa Bellmurd de 1929 encontrava sua porta de saída para serem atraídos à Eternidade. A porta abriu-se após Archie caminhar diretamente à ela, deixando a luz fulgurosa clarear o espaço. Olhou para trás acenando para Frank com a cabeça numa expressão destacada por um triste sorriso fechado.
A luz engoliu Archie quando virou-se para ela. Frank protegeu os olhos da claridade, sentindo-se imensamente recompensado. O fechar da porta com o baque fez Frank mergulhar num estado de desalento devido a um pensamento de dúvida que tivera sobre o legado, mais precisamente sobre como ele iria adiante se Frank não possuía um descendente.
***
Frank parara o carro numa rua paralela à do prédio do DPDC avistando Carrie vir correndo para a carona.
- Assim que eu gosto de ver. - disse ela, abrindo a porta do veículo e entrando - Você encosta numa distância segura para que eu corra e fuja de possíveis ladrões... ou monstros. Mas pisa fundo, tô com a sensação de que dois caras me seguiam.
Frank não respondera nada, ficando num estado reflexivo como se olhasse para o "vazio".
- Alô, Terra chamando Frank. - disse Carrie, estalando os dedos na frente do rosto dele - Que cara de enterro é essa?
- Carrie, acabei de retornar de uma cidade de fantasmas, não totalmente real, onde conheci meu falecido bisavô. Minha cara de enterro é bem apropriada. - retrucou Frank - Os fantasmas foram libertos, detonamos com uma entidade que assassinava pra se alimentar dos corpos e controlar suas almas pra joga-las em realidades falsas. Bellmurd voltou ao normal, tudo ficou bem.... exceto eu.
- O que aconteceu com a garota, a Elise?
- Encontrou a paz, pelo menos. - disse Frank, direto - A coisa matou ela a sangue frio, adicionou mais uma alma pro seu joguinho de segunda chance para fantasmas. O mesmo dia se repetia, tipo aquele filme com o cara dos Caça-Fantasmas. Tive que procurar meu bisavô de novo, mas cheguei com o pé na porta sem paciência pra delonga e mandei a real.
- Me admira você ter conquistado a confiança dele a tempo de investigarem antes do dia reiniciar.
- O que me preocupa agora é esse tal relógio do juízo final que a entidade, o Kairós, mencionou quando estava pra morrer. - disse Frank, estressado - Disse que faltam 100 segundos pro céu desabar nas nossas cabeças.
- 100 segundos pra meia-noite... - disse Carrie, expressando temor.
- É claro que não é o relógio dos cientistas e tem tudo a ver com Malvus, o Fred, os anjos, demônios... e essa merda toda com clima de apocalipse.Eu não sei se tenho cacife pra enfrentar.
- Uma das coisas mais incomuns que já vi nesse vida: Frank Montgrow duvidando de sua capacidade.
- A experiência que meu bisavô demonstrou mudou minha percepção de como venho me saindo nesses últimos anos. Tô prevendo que uma hora vou me cansar de lutar. Meu tataravô, bisavô, avô, meu pai... todos encontraram o fim da linha na besta de Vanderville. E se a minha besta for o Fred?
- Se eu dissesse que isso não é uma questão que vale ser refletida eu estaria mentindo descaradamente. - falou Carrie numa atitude de consolamento - Você é mais forte do que imagina. Essa história não tem que terminar com seu sangue derramado.
- Mas não vou sair vitorioso se não der meu sangue... ou a minha vida. - disse Frank - Chega desse papo, tá tarde, vamos nessa. - disse Frank, exausto de discutir o assunto, ligando o carro e dando a partida.
Saindo do escuro, Fred observava o carro de Frank se afastar. Sua face denotava uma certa frustração pois iria aproveitar para ter a tão desejada conversa com Frank que para ele tornava-se cada vez mais imprescindível.
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*A imagem acima é propriedade de seu respectivo autor e foi usada para ilustrar esta postagem sem fins lucrativos.
*Imagem retirada de: http://poesiadejucamelchior.blogspot.com/2016/08/truco.html
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